terça-feira, 22 de outubro de 2013

São Francisco: Rio de Lágrimas

Capitulo I




São Francisco: Rio de Lágrimas



Parte I
O rio São Francisco com suas coroas de areia. (foto: Donatila Medeiros)


       Como cidadão ribeirinho, nascido às margens do rio São Francisco, na bela cidade de Traipu, abençoada pela natureza; e sendo o velho Chico  um dos mais importantes cursos d'água do Brasil, sempre dediquei parcela de minha vida e dos meus estudos à sua história. Além do mais, desde menino desenvolvi interesse pela vela, inicialmente nas canoas de pescaria nos arredores dos municípios de Traipu, em Alagoas, e Gararu, em Sergipe; e depois em Maceió, velejando nas praias de Pajuçara, Ponta Verde e, em outros municípios, nas praias da Barra de São Miguel e de Maragogi, inicialmente a bordo de pequenos veleiros tipo holder e laser, e fazendo uso, posteriormente, de um Day Sailer, embarcação a vela de 17 pés, subindo com ela o São Francisco - da foz até a cidade de São Brás, com o  meu filho Júnior a bordo, navegando dia e noite e acampando nas ilhas. Tempos depois, adquiri um veleiro Velamar de 22 pés, cujo nome era “Manati”, uma homenagem do antigo dono a uma espécie de peixe-boi do Amazonas. Hoje sou proprietário de dois veleiros: um Flash XR de 20 pés, open, o “Luiz Eduardo I”, com quilha retrátil e dois lemes tipo canivete, o que favorece a navegação em águas fundas e rasas; e outro, o Clio, um Classic 16”, que utilizo no leito do Velho Chico em Traipu, além de uma lancha “Milenium”, a “Catita do Rancho”, de 24 pés.

Buraco da Maria Pereira em Gararu, Sergipe. (foto: Donatila Medeiros)


Veleiro Clio. (foto: autor)

Veleiro Flash "Luiz Eduardo I." (foto: autor)

       Dias com uma embarcação, dias com outra, pelo menos uma vez ao mês, vou ao meu pequeno sítio urbano, o Rancho São Francisco, em Traipu, e passo horas a fio zigue-zagueando pelas águas do sofrido rio da Unidade Nacional, saboreando, quando possível, uma “bambá” ensopada e as famosas “pilombetas” fritas.
       Nas minhas velejadas, tenho descoberto lugares incríveis do ponto de vista da beleza, da exuberância e do tamanho: são morros, serras, colinas, paredões de pedras altíssimos, grutas e vales de beleza inimaginável! Um dos lugares que mais nos chamaram a atenção, por sua grandiosidade quase mística, foi o “Buraco" da Maria Pereira, em Sergipe, no município de Gararu, defronte à minha terra natal. É preciso ver para crer. 

Canoa de Tolda

      De tanto andar e velejar bordejando no rio São Francisco, passei a acompanhar sua constante modificação: o assoreamento, o desmatamento ciliar e a escassez de água, seja em razão da seca, seja em razão do represamento nas barragens e hidrelétricas. Enfim, comecei a perceber que o rio estava morrendo e, quando escutava e escuto falar na transposição de suas águas para outras regiões do sertão nordestino, chegava (e chego) a me apavorar. Como transpor as águas de um rio que está morrendo? E ao que se sabe, nenhuma medida para sua revitalização tem sido adotada! Pensava com meus botões: somente em um país como o Brasil, desprovido de políticas sociais sérias, onde se faz pouco caso da violência e da agressão ao meio ambiente, pode existir tamanho absurdo. 


Época em que o São Francisco era pujante, vendo-se, ao fundo, o Hotel São Francisco, na cidade de Penedo, Alagoas. (foto: arquivo jornalista Nilo Sérgio Pinheiro)


       O rio São Francisco foi descoberto no dia 04 de outubro de 1501 pelo florentino Américo Vespúcio, que, navegando sob a bandeira de Portugal e financiado pelo comerciante Fernão de Noronha, para mapear o litoral das novas terras portuguesas, chegou, naquele dia ao território que viria a ser Alagoas. Depois de passar 64 dias atravessando o Atlântico, Vespúcio descobriu o cabo de Santo Agostinho, o rio São Miguel, dentre outros, até, logo depois, enxergar um grande rio desembocando no mar. Deslumbrado com a grandeza e com a a beleza do que vira, e, por ser  aquela a data comemorativa a São Francisco para os italianos, para os portugueses e para outros povos católicos, batizou-lhe com o nome de rio São Francisco, justa homenagem a São Francisco de Assis. Sua importância, como elo entre as regiões Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste, e em razão do seu potencial energético, além da produção de pescados e da navegação, desde o seu descobrimento,  vem despertando atenções das mais variadas, seja de políticos, de empresários, de ambientalistas, de usuários,  de pescadores,  de agricultores, de mineradores ou de industriais, cada uma dessas classes defendendo os seus próprios interesses, com a observação justa de que os ambientalistas, os ecologistas e os homens de bom senso defendem, em verdade, os interesses da humanidade, os interesses do planeta Terra, com toda sua biodiversidade.

O por do sol no São Francisco, espetáculo a parte. (foto: Donatila Medeiros)
     Os pesquisadores e especialistas em transposição de águas, dentre os quais o Doutor João Suassuna, pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco, de Recife, Pernambuco, têm afirmado, com frequência, que o rio morre pela foz. E é verdade, asseguro. Há cerca de 10 anos, peixes do mar e mariscos chegavam a ser pescados em Penedo, município situado a 40 km da foz. Hoje, esses pescados são vistos em Traipu, município muito mais distante do oceano Atlântico. A grande língua do rio São Francisco, que adentrava ao mar, mostrando a força de suas águas, não existe mais. O que existe, na verdade, é a língua salgada do mar indo rio a dentro, dezenas e mais dezenas de quilômetros a montante, levando novas espécies de peixe e mostrando que o homem está agredindo severamente a natureza e invertendo a ordem dos acontecimentos naturais.
         A grande força do Velho Chico era motivo de admiração e de orgulho para quem o conhecia. O magnífico historiador Douglas Apratto Tenório, em sua obra intitulada de  "Rio São Francisco um ninho de culturas", afirma que o rio foi muito percorrido por veleiros e bragantins com a coroa da cruz de Malta. Essas embarcações eram guiadas pelos intérpretes indígenas que faziam o reconhecimento da terra. Ele narra que, dentre os navegadores, colonizadores e desbravadores, um dos que mais se encantaram com o grande espetáculo da natureza que era o encontro do rio com o mar, naqueles tempos, foi o cronista Pero Magalhães Gândavo, que dizia: "Outro mui notável rio pela banda do oriente ao mesmo oceano que chamam de São Francisco, cuja boca está em dez graus e um terço terá meia légua de largo. Este rio entra tão soberbo no mar, e com tanta fúria, que não chega o mar a boca, somente faz algum tempo represar suas águas e daí três águas ao mar se acha água doce".
      Essa visão que Pero de Magalhães Gândavo teve  da foz do outrora pujante e soberano rio dos Currais, um dos nomes dados ao Velho Chico, certamente ninguém mais terá, pois ele já não é mais o mesmo. Perdeu a força da correnteza; perdeu a imponência de suas embarcações; perdeu a fundura de suas águas; perdeu a fartura de seus peixes!
      Em algumas partes do curso do rio é quase possível atravessá-lo a pé. Embarcações de grande calado encalham. É o prenúncio do fim. É a morte anunciada. Mas o rio São Francisco não perdeu, ainda, a esperança! E essa, depende dos homens.


Rua da Praia. enchente do São Francisco em 1906 - Penedo - Alagoas. (foto: arquivo jornalista Nilo Sérgio Pinheiro)
       
       Como Presidente da Associação do Ministério Público de Alagoas em quatro gestões, no início da década passada, tratei de realizar um grande seminário para debater a transposição do rio, na cidade de  Penedo, uma das mais belas e antigas de todo o São Francisco - a chamada porta de entrada para o sertão por água. Reunimos, ali, promotores, juízes, a sociedade penedense, pescadores, navegadores, e contamos com a participação do senador alagoano Renan Calheiros, político sempre preocupado com os destinos do outrora rio Opará, como o chamavam os nativos. O parlamentar foi um dos conferencistas do conclave, demonstrando seu total apoio à causa da preservação do rio. Outro conferencista foi o renomado agrônomo, pesquisador e especialistas em águas, Doutor João Suassuna, sobrinho do escritor Ariano Suassuna, e tão importante quanto ele em sua área de atuação. Anos mais tarde, realizamos novo congresso, dessa feita na cidade de Piranhas, situada exatamente no início do baixo São Francisco, entre os municípios de Paulo Afonso, na Bahia, e Canindé do São Francisco, em Sergipe. Ao evento compareceram, do mesmo modo que em Penedo, membros do Ministério Público estadual e federal, integrantes da magistratura, políticos, membros da comunidade local, o político João Alves Filho, atualmente prefeito de Aracaju e um dos maiores estudiosos do rio São Francisco. Novamente o pesquisador João Suassuna se fez presente com toda sua garra, coragem e vontade de contribuir para a sobrevivência do rio São Francisco. Os debates foram extremamente proveitosos.
       Em 2004, uma comissão de especialistas na matéria, dentre os quais os ambientalistas Marco Antônio Tavares Coelho, de São Paulo; Alberto Daker, de Minas Gerais; Roberto Santos Moraes, da Bahia, e o nosso João Suassuna, de Pernambuco, fez um manifesto ao País, cujo texto contém o seguinte título: “A Transposição das Águas do rio São Francisco, riscos previsíveis, consequências incalculáveis.”
      O texto afirma categoricamente que, “sob todos os aspectos, a transposição das águas do rio São Francisco representa uma decisão equivocada, insustentável em termos políticos e técnicos sérios, com riscos econômicos, éticos e ambientais previsíveis e com consequências incalculáveis”.
     De fato, João Suassuna afirmou em Penedo, em nosso primeiro encontro, que, do ponto de vista hidrológico, esses riscos decorrem dos limites impostos pela utilização das suas águas para fins de geração de energia e irrigação. O pesquisador informou, naquela oportunidade, que do total alocável de 360m³/s, já se encontram efetivamente alocados ou comprometidos 335 m³/s, caso os usos outorgados sejam de fato implementados. Suassuna, em artigo publicado na Internet, afirmou peremptoriamente: “Energeticamente, numa conjuntura de escassez e horizonte de crescimento da demanda de energia, será necessário transpor elevadas altitudes e bombear água a grandes distâncias”.
       Ora, dados técnicos à parte, sob o enfoque ambiental, a história de decisões em outros contextos tem revelado desastres ecológicos irrecuperáveis e, segundo Suassuna, e de acordo com o Manifesto à Nação, no caso da bacia do São Francisco, particularmente previsíveis são os riscos de salinização do solo e da perda de água através da evaporação.
    O pesquisador tem afirmado que o São Francisco "é um rio hidrologicamente pobre com vazão média de apenas 2.800m³/s, enquanto que o rio Tocantins, com a mesma área de bacia, possui vazão média de 11.800m³/s. Além disso, o Velho Chico possui um caudal de múltiplos usos".¹ 
    O que deduzimos? Provavelmente a quantidade de água esperada não chegue em volume suficiente ao destino, em razão da evapotranspiração. O Estado brasileiro certamente gastará bilhões de reais a toa, e, o que é pior: como o rio morre pela foz, como já foi dito, e como o desvio das águas ocorrerá no sub-médio São Francisco, em Pernambuco, a mais grave consequência desse desatino das autoridades provavelmente ocorrerá no baixo São Francisco, justamente nos 208 quilômetros que se estendem entre os estados de Alagoas e Sergipe até sua desembocadura, em que pesem as afirmações de que a barragem de Sobradinho suprirá o percentual de águas transpostas.
      São esses estados que sofrerão com o represamento das águas, sem falar no fato de que aqui as condições climáticas são mais severas, o semiárido castiga, o sol esturrica o solo, e toda comunidade residente na própria bacia amargará essas consequências.
      Penso que primeiramente precisamos cuidar da revitalização do próprio rio São Francisco, pois, como afirmou João Suassuna, “corremos o risco de morrer de sede e no escuro” (idem) .
     De se observar que toda essa discussão se deu há mais de dez anos. O fato é que a transposição já começou, milhões já foram investidos, embora em alguns trechos a obra se encontre paralisada. Pouca gente fala sobre o assunto, apesar da existência do Comitê da Bacia do São Francisco e de tantos defensores do grande “mar de água doce”.
    Chama atenção o aspecto  de que, se recursos são repassados pelo governo, ou pela CHESF, para os municípios situados na bacia do São Francisco, com a finalidade de se revitalizar o "Velho Chico", esse fato não tem sido percebido pelas populações ribeirinhas, pelo menos em Alagoas, e isso eu posso afirmar, obviamente.

Sobre a transposição

       A ideia vem do Império, e o projeto é antigo. Foi concebido em 1994 pelo extinto DNOS – Departamento Nacional de Obras e Saneamento. Em 1999, o ousado empreendimento foi transferido para o Ministério da Integração Nacional, passando a ser acompanhado pelo Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco. É prevista a retirada de 26,4m³/s de água, correspondente a 1,4% do volume de água da barragem de Sobradinho, que deverá ser destinada, dentre outras coisas, ao consumo da população urbana de 390 municípios dos estados do Ceará, de  Pernambuco, da  Paraíba e do Rio Grande do Norte, através das bacias de Terra Nova, Pajeú, Moxotó e Jaguaribe, em Pernambuco; bacias metropolitanas no Ceará; Apodi e Piranhas-Açu, no Rio Grande do Norte; e Piranhas, na Paraíba.

Trecho da transposição (Foto retirada do site  http://vocesabendo.com/transposicao-do-rio-sao-francisco/)
     O Eixo Norte do projeto sai do rio São Francisco próximo à cidade de Cabrobó, em Pernambuco, e levará água para os sertões daquele estado e da Paraíba,  do Ceará e do Rio Grande do Norte; terá 400 quilômetros de extensão e deverá alimentar quatro rios, três sub-bacias do São Francisco (Brígida, Terra Nova e Pajeú) e dois açudes: Entre Montes e Chapéu. Já o Eixo Leste, que integrará o lago da barragem de Itaparica, entre Pernambuco e Bahia, aos rios Paraíba (PB) e Ipojuca (PE), deverá abastecer parte do sertão e as regiões do agreste de Pernambuco e da Paraíba, com aproximadamente 220 quilômetros até o Rio Paraíba, depois de passar pelas bacias do Pajeú e Moxotó. Esses eixos serão construídos para uma capacidade máxima de vazão de 99m³/s e 28m³/s respectivamente, devendo trabalhar com uma vazão contínua de 16,4m³/s no eixo norte, e 10m³/s no eixo leste.

Máquinas em obra.(foto retirada do site http://www.odiariodaregiao.com/transposicao-do-rio-sao-francisco/)

O desmatamento

        O desmatamento dos cerrados, a monocultura de eucaliptos, no alto e no médio São Francisco, são, segundo estudiosos do rio, os principais fatores para sua degradação, pois esses investimentos privados ocasionaram a derrubada das matas ciliares. A questão do desmatamento é histórica, vez que há mais de um século as embarcações movidas a vapor (barcos, lanchas e navios)  utilizavam a madeira proveniente das matas ciliares como combustível. Durante muito tempo o vale do São Francisco foi castigado pelo ciclo do carvão, época em que foram destruídas enormes áreas de cobertura florestal.  Minas Gerais foi o Estado que mais agrediu a bacia do São Francisco, onde o carvão era usado em grande escala pelas siderúrgicas mineiras. No Estado da Bahia as mineradoras contribuíram, e muito, com os desmatamentos do entorno do rio. Hoje, naquele estado, são as grandes pastagens de gado no cerrado que têm ocupado a área antes coberta pela vegetação nativa. É de se observar que a derrubada de vegetação impede que a água da chuva seja absorvida e drenada para os riachos. 
         Além dos ciclos do pau brasil e das entradas e bandeiras, bem antes do ciclo do carvão, o sofrido Opará transformou-se no novo eldorado para os bandeirantes que queriam fazer fortuna a todo custo, procurando ouro, pedras preciosas e indígenas para aprisioná-los  e transformá-los em escravos. Depois iniciou-se o ciclo do couro ou da pecuária, ocasião em que surgiu o termo rio dos Currais.        
      Nos tempos atuais as agressões são piores. São fatais, são inaceitáveis e não condizem com as aspirações globais de preservação da natureza, com suas florestas, com suas aguas, seus lagos seus, rios, seus mares, seus biomas. O século XXI será a era da sustentabilidade ou da destruição. Depende de nós.
       Aguentar a destruição de quase 95% de sua mata ciliar, a captação  de água através de centenas de canais artificiais, adutoras e tubulações; receber, em seu leito, milhares de toneladas de dejetos provenientes de esgotos das cidades ribeirinhas e de indústrias, padecer com a falta de chuvas e sofrer com a forte evaporação ( pois em razão de sua proximidade à linha do equador, os raios solares são perpendiculares ao solo  na região) tem sido um fardo muito pesado para o combalido rio carregar.
      Somente um santo, mesmo, para fazer tanto milagre: o São Francisco, não o Velho Chico. Associo-me à corrente que afirma ser a absurda obra nada mais do que uma “Transamazônica hídrica”: além de um empreendimento demasiadamente caro para os padrões nacionais, o rio não será capaz de suprir a necessidade da população da região. O problema, segundo os pesquisadores, “não seria o déficit hídrico que não existe; e, sim, a péssima administração dos recursos existentes, uma vez que a maior parte da água será destinada à irrigação, e, hoje, diversas obras, iniciadas com a finalidade de atender à necessidade de distribuição de água na mesma região, estão há muitos anos inacabadas.
        São muitas as críticas à obra. O frei Gilvander Moreira, no ano de 2007 já dizia: "As águas desviadas vão passar distante da grande maioria da população rural atingida pela seca, e, em contra partida, vão irrigar, em condições economicamente desfavoráveis, regiões onde já se encontram os maiores reservatórios. Com a transposição, ao contrário, vai se pagar muito caro pelo uso da água transposta. O custo da água será, no mínimo, cinco vezes maior do que os valores atualmente praticados na região. Um verdadeiro 'presente de grego' para a população dos estados receptores."²

Transposição:Mapa( www.ecodebate.com.br)
      Segundo dados de estudos publicado por Caroline Faria, o Nordeste brasileiro é a região com maior número de açudes do mundo. São 70 mil açudes, onde são armazenados 37 bilhões de m³ de água. "O problema da seca, afirma a especialista, poderia ser resolvido apenas com a conclusão de mais de duas dezenas de obras de distribuição que estão paradas"³, pasmem, nos mesmos municípios que serão contemplados pela malsinada transposição, a um custo infinitamente mais barato e viável.
       As obras, como já disse, estão paralisadas em vários pontos da megatransposição, inclusive no sul do Ceará. 
       De acordo com o Ministério da Integração Nacional, a cidade de Mauriti, no extremo sul daquele estado, está incluída na denominada meta 3N do projeto, no eixo norte da transposição, onde se encontra a maior parte das obras na região, com 38 quilômetros de extensão.
      O orçamento inicial do projeto era de 4,5 bilhões de reais. Atualmente, entretanto, o valor está estimado em torno de 8,2 bilhões, ou seja, quase o dobro. Há quem afirme que o custo final do canal, com seus túneis e estações elevatórias poderá chegar à casa dos 15 bilhões, ou mais.
     Ainda em 2004, em artigo publicado na internet, João Abner Guimarães Júnior, estudioso do assunto, já afirmava que "o custo da obra, incluindo o toma lá, dá cá atual, para compensar os estados doadores, só tem crescido nos últimos anos, aproximando-se dos 20 bilhões de reais"4.
     O lote 6 tem um trecho que corta pelo menos 15 localidades, onde as obras estão totalmente paradas há mais de um ano, prejudicando a região e mais de 400 pessoas. Essa situação se repete em inúmeros trechos do projeto, emperrado pelo descaso, pela burocracia e por outras dificuldades. Imaginem os senhores as somas exorbitantes, como falamos, que serão empregadas na transposição até a sua conclusão. 

Situação atual da transposição

        Não são poucos os movimentos e as organizações existentes hoje, que acompanham, fiscalizam e defendem a sobrevivência do nosso querido "Chicão". Em razão do anúncio feito recentemente pelo governo federal de que as obras de transposição das águas do São Francisco ficariam prontas até 2015, muitos desses movimentos reagiram, de forma dura, sobretudo pelo fato de tal anúncio ter ocorrido após denúncias e mais denúncias sobre a lentidão da obra, sucessivas notícias de aumento dos custos, de problemas relacionados ao saneamento do rio em todos os seus trechos, além das críticas de movimentos sociais sobre e eficiência da mencionada obra. Roberto Malvezzi, conhecido por "Gogó", membro da "Articulação Popular São Francisco Vivo" e da Pastoral da Terra, além de profundo conhecedor do tema, teceu sérias críticas à transposição no portal "Minas Livre".
         O pesquisador afirmou que o alongamento do prazo e também dos custos da obra se deu, em primeiro lugar, em razão do seu gigantismo, pois ao longo dos seu 700 quilômetros de canais existem escavações, revestimentos, túneis, estações de bombeamento, construções de barragens, além de uma série de outras obras componentes do todo. "Gogó" disse, ainda, que "a obra está sendo construída por lotes, sendo 14 ao todo. Cada lote é feito por um consórcio de empresas e cada empresa tem o seu ritmo e suas exigências, rompendo contratos, não realizando a obra devida, abandonando os canteiros, exigindo novas licitações e aditivos, o que gera uma descontinuidade total no conjunto. Muitas vezes, quando retomam, todo trecho feito anteriormente, precisa ser refeito".
          Roberto Malvezzi, o "Gogó", aponta, ainda que " a obra começou a ser realizada sem projetos executivos." Isto é tão grave, afirma o pesquisador, "que houve erros até em seu traçado, como num túnel feito em um lugar, quando deveria ter sido feito em outro". Para o pesquisador,  somente as empreiteiras ganharam e estão ganhando com essa obra gigantesca. Observa, finalmente, o ambientalista, que, no caso da transposição, "repete-se toda a práxis das grandes obras do regime militar: "povo alheio, obra imposta, más indenizações, realocações da população que tem sua vida mudada e não sabe mais o que fazer da vida, expectativa pela água que lhe foi prometida, assim por diante."5
    Como se pode observar, é extremamente complexa a transposição do São Francisco em face da existência, dentre outras mazelas, de empresas ruins, de obras mal acabadas, de  obras inconclusas, de desvios, de  perdas, e de  tantas outras atrocidades, sem falar na ingerência política. Pergunta-se: onde estão, pois, os órgãos de controle?
     Apesar das dificuldades encontradas pelo governo, sobretudo em relação aos contratos com as empresas que fazem parte dos consórcios, e mesmo levando em conta a mencionada paralisação de partes da gigantesca obra, o fato é que ela vem avançando, com mais de mil e quinhentos homens trabalhando e centenas de máquinas operando, tendo o Ministro Fernando Bezerra, da Integração Nacional, afirmado que recursos não faltarão para sua conclusão.
      O que se percebe, pois, é que as vozes das ruas, dos campos, das cidades ribeirinhas, nunca foram ouvidas e a obra segue com a desconfiança e o temor das populações, de índios de toda a bacia do São Francisco, de comunidades inteiras, de estudiosos e de especialistas no assunto. Maior desconfiança, entretanto, existe por parte dos indígenas que habitam em Pernambuco, nas imediações da zona de captação. Eles receiam que o projeto desagregue os povos e provoque danos ambientais nas áreas a serem atingidas pela transposição. "Se o rio morrer, todos nós vamos morrer", teme o cacique Aurivan dos Santos, da tribo truká, localizada na ilha de Assunção em Cabrobró.6
   É de se indagar: a quem, verdadeiramente, interessa a transposição? Com todo respeito que temos por nossos irmãos sertanejos das regiões abrangidas pela obra, que tanto precisam de água, não podemos ajudá-los de outra forma? Não convêm observar que nordestinos que moram há poucos quilômetros do rio São Francisco morrem de fome e de sede em épocas de estiagem, e esse problema crônico nunca foi solucionado? Em Traipu, cidade ribeirinha, apenas exemplificando, são os carros pipa que abastecem comunidades situadas a pequenas distâncias da margem do rio ( Olho D'água da Cerca, Capivara, Santa Cruz e outras), serviço, diga-se de passagem, muito precário. Os "pipeiros" levam meses para receber seus pagamentos. E observe-se que o vale do São Francisco e extremamente fértil. As poucas experiências em irrigação verificadas em Sergipe e Pernambuco são exemplos dessas afirmativas. Em Alagoas, entretanto, somente com Delmiro Gouveia, o construtor de "Angiquinhos" e, igualmente, da fabrica da Pedra, no alto Sertão, tivemos algum êxito nesse campo. E olha que isso ocorreu há dezenas de anos. De lá para cá não surgiu nenhum grande empreendimento. Louve-se, entretanto, o empenho do governo Teotônio Vilela para consolidar uma das maiores obras do nordeste, em termos de captação de água no São Francisco, para matar a sede de alagoanos do semiárido e fomentar a agricultura na região, com responsabilidade e sustentabilidade. 
        A partir da leitura dos textos dos pesquisadores, decidi me ater tão somente sobre o baixo rio São Francisco, cujo trecho, por ser bem menor do que o médio, o sub-médio e o alto São Francisco, talvez não tenha despertado o interesse de autoridades e de estudiosos com a atenção que o assunto merece e à altura da importância da região e do seu povo.


Parte II

O Grande Rio do Nordeste

Bacia do rio São Francisco (foto: Ministério dos Transportes)


            


                           Segundo o engenheiro agrônomo Geraldo Gentil Vieira, da CODEVASF, a nascente real do rio São Francisco está localizada no planalto de Araxá, no município de Medeiros(3.444 hab.), integrante do circuito da serra da Canastra, em Minas Gerais, muito embora, durante anos, pensou-se que o "Velho Chico" tinha a sua nascente no município de São Roque, na Serra da Canastra, também naquele estado. Essa, em verdade, é hoje denominada de nascente histórica e fica a uma altitude de cerca de 1.200 metros. A nascente, no parque, é delimitada por um monumento a São Francisco de Assis, frei franciscano que, por seu amor à natureza, ficou mundialmente conhecido como protetor dos animais e das florestas. O rio, pois, surge em Minas, atravessa os estados da Bahia, de Pernambuco, de Alagoas e de Sergipe, desagua no oceano Atlântico e drena uma área de aproximadamente 641.000Km². Um extenso rio, que chega a medir 2. 863 km. De todo esse trecho, apenas 208 km constitui a extensão navegável  do baixo São Francisco.
      O rio está dividido em 4 regiões fisiográficas desde sua nascente até a sua desembocadura, no oceano Atlântico: o alto São Francisco que inicia nas cabeceiras na serra da Canastra, nos municípios de Medeiros e São Roque de Minas e vai até a cidade de Pirapora. Em seu curso está a Usina Hidrelétrica de Três Marias e suas sub-bacias são formadas pelos rios das Velhas, Pará, Indaiá, Abaeté e Jequitaí.
        O médio São Francisco tem o seu trecho compreendido entre os municípios  de Pirapora, em Minas Gerais, e Remanso, na Bahia. A região, por suas características geográficas, admite a subdivisão em médio superior e médio inferior. Suas sub-bacias são formadas pelos rios Carinhanha e Verde Grande. O médio superior tem características que mais se assemelham ao alto São Francisco.
            O sub-médio São Francisco, que atravessa a região mais seca de todo seu percurso, inicia em Remanso e se estende até a cidade de Paulo Afonso, também na Bahia. 

 Nascente Histórica do rio São Francisco em São Roque de Minas em Minas Gerais.





             O baixo São Francisco, que constitui o trecho mais sofrido do rio,  inicia em Paulo Afonso e termina na foz, no oceano Atlântico, entre os municípios de Piaçabuçu, em Alagoas e Brejo Grande, em Sergipe. Suas sub-bacias são formadas pelos rios Ipanema, Capivara, Traipu, Angicos, Santo Antônio, além de outros.
         O caudaloso rio apresenta dois estirões navegáveis: no médio, com aproximadamente 1.371 quilômetros  de extensão, entre Pirapora, em Minas Gerais, Juazeiro, na Bahia, e Petrolina, em Pernambuco, e no baixo, com 208 quilômetros, que vai de Piranhas, em Alagoas, e Canindé do São Francisco, em Sergipe, até a foz, no oceano Atlântico, entre as praias do Peba, e do Cabeço. Esta última, quase que desapareceu devido ao avanço do mar. O pequeno povoado do Cabeço era, na verdade, uma colônia de pescadores, situada na margem sergipana do rio, no município de Brejo Grande, rente a foz, que teve de se mudar. As casas, ou os seus escombros, ficaram submersas e a única lembrança do que antes existia ali, é a presença de um antigo farol, do tempo do império, que teima em resistir, mas, a cada dia, inclina um pouco e, certamente, um dia ruirá.


Farol do tempo do Império em Brejo Grande, Sergipe.
    Em seu curso, há seis usinas hidrelétricas: Três Marias, inaugurada em 1962, localizada na região central de Minas Gerais, com 2.700 metros de cumprimento e 75 metros de altura, forma um reservatório de aproximadamente 21 bilhões de metros cúbicos de água. A história do seu nome é curiosa: nas imediações do São Francisco, onde seria construida a barragem, havia uma fazenda onde moravam três irmãs. Certo dia, apanhadas de surpresa por uma tromba d'água, as irmãs Maria Francisca, Maria das Dores e Maria Geralda terminaram morrendo afogadas. Por isso o nome da  usina. Sua verdadeira denominação, entretanto, é Usina Hidrelétrica Bernardo Mascarenhas, pioneiro da indústria têxtil na região.
Barragem de Três Marias, Minas Gerais

       A Hidrelétrica de Paulo Afonso, em verdade, é um complexo de usinas - Paulo Afonso I, II, III e IV e tem a segunda maior capacidade instalada dentre as usinas do Brasil, somente perdendo para Tucuruí. A primeira do complexo foi inaugurada no ano de 1955, pelo presidente Café Filho. Característica marcante da hidrelétrica e a de ter sido a primeira usina instalada no Brasil no subterrâneo. Suas turbinas estão situadas a mais de 80 metros abaixo do nível do rio São Francisco. A usina Paulo Afonso IV possui uma das maiores cavernas do mundo, com 210 metros de extensão, 24 metros de largura e 55 de altura. O lago desta usina está ligado à barragem de Moxotó por meio de um canal onde surgiu a ilha de Paulo Afonso.

Hidrelétrica de Paulo Afonso na Bahia

      Itaparica. A hidrelétrica batizada com o nome de Luiz Gonzaga, em homenagem ao artista nordestino, surgiu da preocupação do governo brasileiro com a seca que assola a região do Nordeste, oportunidade em que, nos anos 70, foi criado um programa de desenvolvimento regional, dentre outros objetivos, com a finalidade de se tratar o solo e fomentar a agricultura. Foi escolhida, então, a cachoeira de Itaparica, localizada entre as cidades de Petrolândia e Glória, na Bahia, onde já existia uma antiga usina que não mais atendia às necessidades de energia elétrica da região. A barragem foi iniciada em 1979 e a obra durou 9 anos. Em 1988, a hidrelétrica começou a funcionar com um reservatório que ocupa uma área de  834 km², com capacidade para armazenar 12 bilhões de metros cúbicos de água e abrange vários municípios dos estados da Bahia e de Pernambuco.7 Um verdadeiro mar de água doce.

 
Barragem de Itaparica, entre os Estados da Bahia e de Pernambuco

    Moxotó. Construida em 1971, com capacidade de armazenamento de 1 bilhão de metros cúbicos de água, seu nome oficial é Usina Hidrelétrica Apolônio Sales, em homenagem ao ministro do governo Getúlio Vargas e ex-presidente da Companhia Hidrelétrica do São Francisco - CHESF. Está  localizada a cerca de três quilômetros a montante do barramento das usinas Paulo Afonso I, II, III e IV, no município de Delmiro Gouveia, em Alagoas. 

Barragem de Moxotó

      Sobradinho. Localizada entre os municípios de Sobradinho e Casa Nova na Bahia, a usina tem potência instalada de cerca de 1.050000 (um milhão e cinquenta mil) KV. Seu reservatório conta com uma superfície de espelho d'água de aproximadamente 4.219 (quatro mil, duzentos e dezenove) quilômetros quadrados, podendo armazenar até 34 (trinta e quatro) bilhões de metros cúbicos de água, o que a torna o terceiro maior lago artificial do mundo.       

Usina Hidrelétrica de Sobradinho.
      
      Finalmente, Xingó. A Hidrelétrica está localizada entre os estados de Alagoas e Sergipe. Com uma área alagada de 60 (sessenta) quilômetros quadrados e grande capacidade de produção elétrica, a usina foi e tem sido muito importante para o desenvolvimento de Alagoas e Sergipe, sobretudo para a região do alto Sertão dos dois estados. É considerada a mais moderna hidrelétrica da Chesf chegando a produzir 30% de energia da empresa. Essas hidrelétricas têm causado grande impacto negativo sobre os peixes da região, pois modificam o sistema fluvial, além do nível fluviométrico, de acordo com a geração de energia.

Barragem de Xingó.
 
Xingó.
      Quarto maior da América do Sul, ao longo de toda sua extensão o rio São Francisco recebe água de seus 168 afluentes, sendo que a maior parte deles seca, conforme a época do ano, e varia consideravelmente de largura. Seus principais afluentes são todos de Minas Gerais: rio Paracatú, situado quase que totalmente em Minas, com algumas áreas de topo adentrando no estado de Goiás e no Distrito Federal; rio Paraopeba, que nasce no município de Cristiano Otoni e desemboca na represa de Três Marias; rio Abaeté, que se notabiliza pelo garimpo de diamantes e passa  pelo município de São Gonçalo até chegar à foz; rio das Velhas, com suas nascentes na Cachoeira das Andorinhas, no município de Ouro Preto, sendo o maior afluente do São Francisco em extensão e o rio Jequitaí que nasce na serra do Espinhaço, dentro do Parque Nacional das Sempre-vivas, na região centro-norte mineira.
    No trecho que passa na região Sudeste, com maiores índices pluviométricos, as margens são cobertas por vegetação típica do cerrado e por florestas com árvores como o jacarandá e o cedro.
    A diversidade natural do São Francisco é muito grande. As partes extremas da bacia, superior e inferior, apresentam bons índices pluviométricos; por outro lado, os seus cursos médio e sub-médio atravessam áreas de clima bastante seco. Cerca de 75% do deflúvio, ou seja, do escoamento de suas águas, é gerado em Minas Gerais, e, curiosamente, o tamanho da bacia ali inserida é de apenas 37% da área total. Já a área compreendida entre a fronteira Minas Gerais/ Bahia e a cidade de Juazeiro (BA) representa 45% do vale e contribui com apenas 20% do deflúvio anual.

O rio São Francisco em seu estado maduro. (foto: autor)
 
        Os depósitos de sedimentos recentes, os arenitos (espécie de rocha sedimentar) e calcário dominam boa parte da bacia de drenagem e funcionam como se fossem esponjas, para reter e liberar as águas nos meses de estiagem. 
         O volume de água do São Francisco diminui à medida em que ele penetra no semiárido, quando sofre intensa evaporação e baixa pluviosidade. Apesar disso, o rio, de certo modo, mantém-se perene, em razão do mecanismo de retroalimentação que provém do seu alto curso e dos afluentes no centro de Minas Gerais e oeste de Bahia. Nesse trecho, o período das cheias ocorre de outubro a abril, com altura máxima em março, no fim da estação chuvosa. As vazantes são condicionadas à estação das secas, observadas normalmente entre os meses de maio a setembro.
        Este é um dos fatores que me fizeram refletir sobre o baixo rio São Francisco. Para nós, não existe mais estação das cheias ou das secas. Pouco importa se chove ou não em seu leito, ou em sua cabeceira. As seis hidrelétricas traçam o futuro do baixo rio, de acordo com a necessidade energética das cidades, ou, mais ainda, das grandes indústrias. Piracema? Não existe. Pesca? Cada vez mais escassa. Navegação? Somente com embarcação de baixo calado. Ecossistema? Pouco importa às autoridades. Essas personalidades políticas precisam se conscientizar de que as nossas fontes energéticas não são inesgotáveis, e de que nós só temos este planeta para viver - a Terra, cujo bem mais precioso é a água. O grande surubim, os mandins, as grandes xiras são, como a canoa de tolda, coisas do passado.
    Infelizmente, a humanidade sempre tratou a água como algo inesgotável na natureza. O desperdício é exagerado e os recursos são finitos. Em algumas regiões da Terra o problema da escassez é chocante, assustador. Países mais adiantados em cultura ambiental têm enfrentado com muita competência a questão. É o caso, por exemplo, de Israel, que, de forma sustentável, cuidou da dessalinização das águas do mar de Tiberíades, ou mar da Galileia, como é mais conhecido, ou, ainda, lago de Genesaré  (em linguagem hebraica)  construindo, a partir dai, canais para irrigação das plantações. 

Disparidades regionais

 
  Tem sido comum no Brasil a construção de avenidas, estabelecimentos comerciais e moradias em áreas naturalmente atingidas pelas águas dos rios durante o período das cheias, e essa invasão dos limites das várzeas dos rios tem ocasionado sérias consequências e prejuízos: inundação dos trechos ocupados, destruição de edificações, grandes engarrafamentos de trânsito, dentre outros transtornos.
       A verdade é que as pessoas costumam expandir as fronteiras de suas ocupações na cidade ou no campo, desrespeitando as áreas necessárias ao equilíbrio dos processos físicos/ naturais.
      No passado, descobrimos que a terra era azul e começamos a perceber que a economia caminhava para a globalização. Unificou-se o ciclo de produção e consumo em todo o mundo. Hoje o globo terrestre permanece azul, mas chegamos à conclusão de que a terra é finita, ou pelo menos,  de que os seus recursos naturais são finitos.
     Note-se o caos nas margens do rio Tietê, na cidade de São Paulo, na ocasião das enxurradas. No ano de 2010, enchentes causaram destruição em dezenas de cidades edificadas nas bacias dos rios Mundaú, Una, Sirinhaém, Piranji e Canhoto, em Pernambuco e Alagoas. Mais de dois anos depois dessas enchentes, suas consequências ainda podem ser observadas nas cidades de Rio Largo, União dos Palmares, Murici, Branquinha, São José da Laje, Atalaia, São Luis do Quitunde, Paulo Jacinto e Santana do Mundaú em Alagoas,  e em Palmares, Cortez, Barreiros, Correntes, Vitória do Santo Antão, Nazaré da Mata e Gravatá, em Pernambuco, além de outras, nos dois estados.
   É lógico que muitas vezes essas situações ocorrem por desconhecimento das fronteiras e necessidades dos processos físicos/naturais, ou, o que é pior, por interesses empresariais que, visando exclusivamente ao lucro, extrapolam os limites de sua atuação legal. É o que acontece, por exemplo, quando uma grande empresa despeja seu esgoto clandestinamente em um rio.
      Esses acontecimentos são inadmissíveis em pleno século XXI, sobretudo em um país como o Brasil, que procura melhorar a sua imagem no cenário internacional frente ao tema da consciência ecológica e da sustentabilidade.
      Por outro lado, preocupa-nos a superpopulação do planeta. Segundo dados publicados no Suplemento do Population Reports (GREEN nº 10), no ano de 1988, “a situação da escassez de água em alguns países já era bastante crítica. Eis, segundo a pesquisa, alguns exemplos, em cada continente, do percentual de habitantes sem água potável: Etiópia -83%, Afeganistão – 79%, Marrocos – 41%, Paraguai – 67%, Haiti – 60% e Polônia -11%.” 
   Estudos mostram que os recursos naturais permanecerão os mesmos e a população mundial duplicará em menos de 40 anos.
     Interessante notar que quando, em 1961, o astronauta russo Yuri Gagarin constatou fascinado do espaço que a Terra, como observamos acima, era azul, despertamos para um tema que já começava a preocupar, e isso há mais de cinquenta anos: a água.
     O planeta possui cerca de 75% de sua superfície coberta de água e, de toda água existente no mundo, 97% é salgada e apenas 3% doce, própria para o consumo. Está pequena quantidade de água para consumo, na verdade tende a diminuir e, para evitar um colapso futuro, temos que preservar as águas doces e salgadas. Hoje, em termos globais, a água é suficiente para todos. A sua distribuição, entretanto é irregular, como vimos antes. Os fluxos estão concentrados nas regiões intertropicais, que possuem 50% do escoamento das águas. Nas zonas temperadas estão 48% e nas zonas áridas e semiáridas apenas 2%, sem falar que as demandas de uso são extremamente diferentes.8  O grade problema que nos aguarda, repito, é a super população mundial que eclodirá em 30 ou 40 anos.
Providências urgentes precisam ser adotadas!
 
   A insistência em se desviar água do São Francisco gerará consequências gravíssimas em poucos anos, a exemplo de grandes desastres ambientais provocados pela ação do homem. O pequeno deflúvio do canal e a evaporação altíssima que ocorrerá em todo trecho, já que ele estará situado dentro do semiárido, justamente na região chamada de polígono das secas, ou nas proximidades, é a garantia, infelizmente, de que o ousado, faraônico e irresponsável projeto não dará certo. O futuro mostrará.
   Algumas experiências ocorridas em várias partes do mundo se transformaram em tragédias ambientais, e devemos nos inspirar nelas para colacionar o aprendizado necessário ao tratamento do assunto com fundamentação lógica.


Mar de Aral


Cemitério de embarcações. (foto:Wikimedia/Commons)


        O mar de Aral era um lago de água salgada, localizado na Ásia Central. Mar de Aral significa mar das Ilhas e ele continha em seu leito mais de 1.500 ilhas. O grande lago abrangia uma área de 68.000 km² - quase três vezes a dimensão do Estado de Alagoas - e contava com cerca de 1100 km³ de volume de água, tendo sido, anos atrás, o quarto maior lago do mundo. A indústria pesqueira era próspera, a produção de pescados era excepcional. Pois bem, a indústria se encontra praticamente destruída, e a dimensão atual do mar está reduzida a apenas 10% do seu tamanho original. Tudo isso fruto do desmatamento, da poluição e do desvio de águas. 

Situação anterior e atual do mar de Aral. (foto: Wikimedia/Commons)

       A modificação climática na região foi tamanha, em razão do quase desaparecimento do mar, que, ali, os verões estão cada vez mais quentes e secos, e os invernos, cada vez mais longos e frios. Cenas tristes e estranhas  podem ser vistas no leito seco do mar de Aral: navios e mais navios encalhados no deserto, rodeados de camelos e outros animais da região. Toda essa agressão ao mar de Aral foi cometida por comunidades de vários países outrora banhados pelo importante lago interior

O mar de Aral reduzido a 10%  de sua área original. (foto: Wikimedia/Commons)
 

       O Cazaquistão tem feito extremo esforço para recuperar o norte do mar de Aral. Barragens foram construídas entre 2005 e 2008, de modo que, nesse local, a água já subiu doze metros a partir do seu nível mais baixo, em 2003. A salinidade caiu e, no norte, os peixes já são encontrados em quantidades suficientes para alimentar as populações da região. O desastre ambiental ocorrido naquela parte da Ásia foi também resultado do processo de irrigação das estepes para o plantio desordenado de algodão - além da transposição das águas de pequenos rios que desembocavam em seu leito.9

Um grande deserto com navios encalhados. ( foto: Wikimedia/Commons)

Rio Tocantins


     A mortandade de peixes verificada ultimamente no rio Tocantins alertou a Procuradoria da República no estado homônimo. A PGR está apurando responsabilidades quanto à mortandade de peixe a jusante – após, no sentido da correnteza do rio e  das barragens das usinas hidrelétricas de Peixe Angical, Lajeado e Estreito, buscando soluções para esse problema, que vem se transformando no maior desastre ambiental ocorrido em todos os tempos naquele grande rio.

Outros desastres

     Desastres ocorreram, também, nos rio Mississipi e Colorado, nos Estados Unidos da América, e no africano rio Nilo, no Egito. O maior exemplo da ação maléfica do homem contra a natureza, no caso desses três rios, é o do rio Colorado que desemboca no golfo da Califórnia, no México: ele não consegue mais chegar à foz! É certo que o desenvolvimento da agricultura e da própria sociedade sempre esteve vinculado ao controle da água. Desde priscas eras o homem tem atuado sobre o sistema hídrico, buscando satisfazer às suas necessidades. Essa constante intervenção antrópica provocou diversas alterações na forma de captação de água, seja na acumulação em bacias artificiais, no represamento de rios, ou mesmo no traslado de águas de um rio para outro. As civilizações do antigo Egito, da China e da Índia eram chamadas de civilizações hidráulicas. A transposição de águas, pois, não é nenhuma novidade. Pelo contrário, é técnica bem antiga e bastante útil ao homem em face da necessidade de sua própria sobrevivência. A questão, entretanto, diz respeito à sustentabilidade. É preciso compatibilizar progresso com natureza e com meio ambiente. Esse é um assunto para gestores responsáveis e para técnicos. Não conheço nenhum estudo científico confiável que mostre que a transposição das águas do rio São Francisco seja viável. Registro, destarte, que sou contra a transposição do São Francisco da forma irresponsável como ela está sendo feita.

Parte III

O baixo São Francisco


Nossos Primeiros habitantes

 

Foto de Indígenas (Foto retirada do site  http://www.blogfolha.com/?p=79291)

 


       Estima-se que, logo após o descobrimento do Brasil, entre a margem esquerda do São Francisco e o território do hoje Estado do Rio Grande do Norte havia cerca de 150 mil índios caetés e potiguaras. O historiador Douglas Apratto  Tenório afirma que já em 1631 existiam tão somente 7 mil índios e indaga: "Por onde ficaram tantos caetés, cariris, porus, caripós, sacacarinhãs, papaiazes, tupinambás, caroporás, abacatiáras, tacuruás, tomaquises, pipianos, tupinaés, jaconãs, umãs, pancararus, dentre outros?"
         Havia tribos indígenas das três raças no território alagoano e na região do baixo São Francisco: Tupi, Tapuia e Caraíba. Os caetés pertenciam à raça Tupi e, segundo a historiadora Izabel Loureiro, “habitavam às margens do rio São Francisco, próximo da embocadura e em todo o litoral, até além do rio Igaraçu. Numerosos, viviam em constante correria, eram irrequietos e antropófagos”.
        Os abacatiaras, também da raça Tupi, ocupavam as ilhas do São Francisco, viviam da pesca e eram exímios canoeiros,      
      Os  moriquitos, da raça Tapuia, viviam no seio das matas próximas ao rio São Francisco, no litoral e nas margens das lagoas. Já os umaús habitavam o extremo território alagoano, nas adjacências dos atuais municípios de Mata Grande e Água Branca, próximo do rio Moxotó. Coabitavam com os xocós, os pipianos, os romaris e os coropatis. Havia, também, as tribos dos cariris e aconãs, dentre outras. Algumas delas, como a dos cariris-xocós, sobreviveram e existem até hoje, por exemplo, em Porto Real do Colégio, em Alagoas.

Sua dimensão


Penedo, Alagoas, considerada a porta fluvial do sertão ( foto: arquivo jornalista Nilo Sérgio Pinheiro)
            Como já disse acima, a extensão do baixo rio São Francisco é de 208 km, contados a partir da área externa da barragem de Xingó. Se medirmos o trecho a partir da cidade de Paulo Afonso, na Bahia, até a foz, no sentido Oeste-leste, ou seja, a jusante, sua extensão vai a 265km. Sua bacia compreende os estados da Bahia, Pernambuco, Sergipe e Alagoas, ocupando uma área total de 30.377 km², equivalente a 5% de toda área da Bacia do São Francisco, correspondendo à menor porção dentre as quatro subdivisões da bacia. O baixo São Francisco é utilizado para diferentes finalidades sociais e econômicas. O abastecimento de água para as populações urbanas, inclusive para cidade de Aracaju, Capital do Estado de Sergipe; a irrigação da agricultura, com plantio de culturas de ciclo curto; a aquicultura (criação de camarão), o ecoturismo, a navegação, além da exploração da hidro-eletricidade através da Usina de Xingó, mostram a vital importância do baixo rio. Entre os seus afluentes, podemos destacar os rios Ipanema, Capiá e Traipu, situados à sua margem esquerda, no Estado de Alagoas, e os rios Santo Antônio e do Aterro, situados na margem direita no estado de Sergipe.

Tambaqui pescado em açudes às margens do rio. (foto: autor)

           A vazão média natural do baixo São Francisco, verificada na estação de medição da cidade de Pão de Açúcar, em Alagoas, é de 2.847m³/s. Na estação da cidade de Traipu, também em Alagoas, a vazão é de 2.980m³/s. Os reservatórios construídos na calha principal, no submédio São Francisco, regularizam uma vazão de cerca de 2.100m³/s. Podemos afirmar que o baixo rio, na altura de Piranhas, em Alagoas, é um rio juvenil; já em Traipu, torna-se um rio maduro. A partir de Piaçabuçu até a foz, o Velho Chico  se encontra em seu estado senil. Vale destacar que a expressão "senil", empregada para definir o rio em sua embocadura, serve, também, como imagem das consequências de inúmeras e irracionais agressões que o rio vem sofrendo em seu curso desde o  nascedouro, a contar os desmatamentos, as barragens, o depósito de esgotos domiciliares em suas águas, as adutoras, e, agora, a projeção da malfadada transposição de que ora se cogita.

O rio São Francisco como meio de integração das regiões do Brasil.


      O nome de Rio da Integração Nacional surgiu quando se percebeu, ainda durante a colonização, que o rio seria uma forma de se ligar o Nordeste a outras regiões do país, sobretudo à região Centro-Oeste, através dos sertões de Goiás. Grandes embarcações singravam as suas águas, levando as riquezas produzidas em seus vários trechos.

Canoa Cacilheira  utilizada no rio Tejo, em Portugal, que inspirou as nossas "chatas".
 
         Começaram a aparecer as canoas de pescaria, as chatas e as famosas canoas de tolda, cujas construções teriam sido inspiradas nas embarcações portuguesas que navegavam nos rios Douro e Tejo, tipo canoa cacilheira e o bote do Pinho. As chatas ainda hoje são vistas no Velho Chico: embarcação do tipo bateira, de proa desenvolvida, fundo chato e convés corrido, possui, normalmente na popa, ou ré, um resguardo encerado para descanso da tripulação e guarda de utensílios. Já as canoas de tolda, que tinham como característica um grande toldo em sua proa, usado para acomodação de passageiros e mantimentos, desapareceram do baixo rio. Uma das raras existentes na atualidade foi resgatada em Propriá, em Sergipe, há cerca de oito anos, pelo então prefeito de Piranhas, em Alagoas, Inácio Loiola de Freitas Damasceno, um fervoroso ambientalista e defensor do Velho Chico.

O Velho Chico, vendo-se as antigas Canoas de Tolda. (foto: arquivo jornalista Nilo Sérgio Pinheiro)
    


A famosa  canoa de pescaria (foto: autor)
           A velha canoa de tolda, completamente recuperada, pintada em verde e amarelo, serve, hoje, de atração turística na cidade de Piranhas e carrega imponentemente o seu nome entalhado em ambos os lados "Piranhas".



Época dos vapores. Navio de passageiros - Sinibú - Penedo Alagoas.  ( foto: arquivo jornalista Nilo Sérgio Pinheiro)
        Com o passar dos anos, foram surgindo os vapores, as lanchas, os navios, com destaque para as lanchas “Tupã”, “Tupi” e Tupiji”, Vila Nova, além do navio Sinimbú e do famoso navio Comendador Peixoto, exemplo de luxo e conforto no outrora farto, caudaloso e pujante Opará.

Lancha a vapor Vila Nova, 1919. ( foto: arquivo jornalista Nilo Sérgio Pinheiro)


       Seguramente, em razão do alto calado desses tipos de lancha e navio, seria impossível, hoje, o uso dessas embarcação no depauperado rio.
       Mas, voltando ao passado, como ligar o baixo ao alto São Francisco?
         No século XIX, o imperador D. Pedro II, após visitar o baixo São Francisco e conhecer a cachoeira de Paulo Afonso, mandou levantar dados sobre o rio para utilização de suas águas das mais variadas formas. Nos anos de 1866 e 1867, o imperador autorizou, mediante decreto, a abertura do curso do rio para embarcações mercantes de todas as nacionalidades. Toda região do baixo São Francisco foi favorecida pela intensa navegação, ocasião em que teve início um grande período de prosperidade.
    Interessante notar que, além da "abertura" do Velho Chico para o comercio e para a navegação mercantil internacional, “durante o Segundo Reinado, os caminhos de ferro constituíram, em seguida, a forma predominante, quase exclusiva, que tornaram os investimentos públicos de caráter reprodutivo”10. Logo, já na segunda metade do século XIX, o sertão alagoano viveu uma grande fase de progresso e fartura, graças à capacidade de o sertanejo se adequar ao moderno meio de transporte que surgia: a estrada de ferro. Foi o caso da Estrada de Ferro de Paulo Afonso, inserida, na época, no conjunto de medidas liberalizantes dos investimentos nas estruturas de transporte, “com a dupla missão de ligar comercial e socialmente o alto ao baixo São Francisco e aproveitar os braços de milhares de brasileiros para a sua construção (idem).” 
        O início da construção da mencionada estrada, em 1878, foi uma prova de mérito político que não recuou diante dos problemas vitais de uma região promissora, como o sertão alagoano, que vivia isolada pela falta de comunicação e transporte.
        A verdade, entretanto, é que a Estrada de Ferro Paulo Afonso enfrentou inúmeros problemas financeiros e de ordem política, tendo sido considerada deficitária, até que, no início do período da ditadura militar pós-1964, foi autorizada a sua desativação. Segundo o pesquisador Luiz Ruben Bomfim, a completa desativação da ferrovia somente ocorreu no dia 08 de junho de 1964.


Cobertura vegetal

A caatinga predomina no baixo São Francisco. (foto: autor)
 
     A cobertura vegetal original do baixo São Francisco é representada por extensas áreas de caatinga, que se constitui num tipo xerófito de vegetação, ou seja, com adaptações funcionais contra a falta de água, desenvolvidas em função do baixo nível de precipitação pluviométrica da região do semiárido. Existem, em verdade, duas variações desse tipo de vegetação: a caatinga arbórea aberta e a caatinga arbórea densa. Esta se caracteriza por apresentar um estrato arbóreo denso, com espécies que variam de 8 a 10 metros de altura. A outra variação apresenta uma cobertura lenhosa de estrutura aberta e porte baixo. 

Mangueira solitária entre o rio e a caatinga. (foto: autor)

       Em nosso pequeno sítio, localizado no entorno de Traipu, Alagoas, rente ao São Francisco, cujo nome é Rancho São Francisco, mantemos uma pequena reserva de cerca de 5 hectares de caatinga das duas espécies. 
 
Rancho São Francisco em Traipu, Alagoas. (foto: autor)


        Tendo o Velho Chico ao fundo, a paisagem natural forma um belo quadro que encanta os visitantes e nos enche de orgulho.

Capelinha de Nossa Senhora do Ó, no Rancho São Francisco, em Traipu. (foto: autor)
      Já nas proximidades do litoral, tanto em Sergipe como em Alagoas, aparecem dois tipos de ambientes: a restinga e os mangues, além da mata Atlântica. Na verdade, o que temos hoje são resquícios da mata Atlântica, infelizmente.
        O clima predominante no baixo São Francisco é quente e seco. Ultimamente, a região vive uma de suas piores secas, apesar das chuvas que ocorreram com força no mês de outubro de 2013.

Área total da bacia do baixo São Francisco

Bacias do sub-médio e do baixo São Francisco.

         Alagoas é o estado que tem a maior área dentro da bacia do baixo São Francisco (12.797 km²), o que representa cerca de 46% de sua área total(30.377 km²). Pernambuco ocupa a segunda maior área (7.474,6 km²), seguido de Sergipe, com área um pouco menor (7.042,6) e da Bahia, com uma área bem menor (2.962,9).

Atividades produtivas


        Predominam no baixo São Francisco a agricultura de sequeiro e a agricultura irrigada, com a produção de milho, mandioca, algodão, sisal, abacaxi, fumo, hortaliças, banana e café. A indústria no baixo São Francisco, pode-se afirmar, está praticamente concentrada em Alagoas, com a produção regional de açúcar, álcool e fumo.

Algumas cidades da bacia do sub-médio e do baixo São Francisco


Canudos, município baiano, inserido no Polígono das Secas, tem o seu nome associado a Antônio Vicente Mendes, o Antônio Conselheiro, protagonista da “Guerra de Canudos”.

Itapetin, município pernambucano, cujo nome significa pedra achatada branca, no passado, a cidade era conhecida como Umburanas, devido à existência de  grande quantidade dessas árvores em suas imediações.

Cabrobó, terra da cebola, localizada no Sertão do São Francisco, em Pernambuco, perto da Bahia, berço da transposição. O nome significa árvore de urubus.

Tacaratu, cidade fundada pelos índios pancararus, umaús e geriticó e situada no sub-médio São Francisco, em Pernambuco.

Belo Monte, cidade situada no baixo São Francisco, em Alagoas, foi batizada com esse nome por D. Pedro II.

Propriá, a Princesinha do baixo São Francisco, é considerada a segunda mais rica cidade de Sergipe, liderando o comércio atacadista de todo baixo rio.


Cidade de Propriá em Sergipe. (foto: autor)

Igreja Nova. Antes denominada de ponta das Pedras pelos pescadores que vinham de Penedo, o município  é um dos maiores produtores de arroz do estado e hoje produz a cana, além de desenvolver projetos de piscicultura. Tendo como fonte de renda, também, a pecuária, tem contribuído para o seu desenvolvimento, atualmente, a existência da usina Marituba, de açúcar e álcool em seu território. Cidade aconchegante, possui um dos mais belos templos católicos de Alagoas, a  Igreja de São João Batista, seu padroeiro, cujas badaladas dos seus sinos podem ser ouvidas a uma distância de 6 km. A igreja foi edificada em 1908, com a ajuda dos frades alemães.
Igreja de São João Batista em Igreja Nova, Alagoas. (foto:Claudemir Mota)

Delmiro Gouveia, o único município alagoano que faz divisa com os estados da Bahia,  de Pernambuco e de Sergipe. Foi batizado com este nome em homenagem a um grande industrial e empreendedor cearense: Delmiro Gouveia, fundador da fábrica de linhas da Pedra que, para isso, usava a energia gerada pelo São Francisco.

Angiquinhos.

Piaçabuçu. Localizado em Alagoas, o município situa-se entre o oceano Atlântico e o rio São Francisco. A última cidade banhada pelo "Velho Chico". Destaque para a grande produção de pescados, do mar e do rio.
Cidade de Piaçabuçu - Alagoas (foto:Claudemir Mota)

Amparo do São Francisco, bonita e aconchegante cidade do Estado de Sergipe.

Amparo do São Francisco. Sergipe.

Porto Real do Colégio, em Alagoas, situa-se defronte a Propriá, em Sergipe. Cidade bela e próspera. Por volta do século XVII, bandeirantes  que desciam o São Francisco, com os padres jesuítas, procuraram catequizar as diversas tribos indígenas ali existentes, dentre elas a  dos cariris, a dos aconãs e a dos tupinambás. O seu nome, segundo os pesquisadores, deveria ser Colégio do Porto Real, em razão da existência do colégio Real fundado pelos jesuítas em suas terras.

Porto Real do Colégio em Alagoas, com a imagem de Bom Jesus dos Navegantes banhada pelas águas do "Velho Chico".  (foto: autor)

São Brás, município alagoano, situado logo acima de Porto Real do Colégio, tem como característica histórica o fato de já haver pertencido a Arapiraca, a Traipu e a Porto Real do Colégio. Portanto, foi criado e recriado algumas vezes contando, curiosamente, com datas diversas de emancipação. Recebeu a visita do imperador D. Pedro II, quando de sua viagem pela rota do São Francisco.
Igreja Matriz de São Brás, Alagoas. (foto: Claudemir Mota)

Gararu, município próspero, localizado no baixo São Francisco, em Sergipe. A cidade se notabiliza por sua beleza e pelo grande cais.

Igreja matriz de Gararu, Sergipe.

Pão de Açúcar é uma das mais bonitas cidades do baixo São Francisco. Situada em Alagoas, dizem que os reflexos da Lua nas águas do rio deram o seu primeiro nome: “Jaciobá”, que significa “espelho da Lua”, em guarani. Consta que em 1959, Pão de Açúcar, então Jaciobá despontava como um dos principais exportadores de carne e de couro, o que era feito através da desembocadura do rio Panema.
Cristo Redentor em Pão de Açúcar  - Alagoas.

Traipu é um município do Estado Alagoas, cuja sede se acha assentada sobre uma pequena colina situada às margens do São Francisco. Região de concentração indígena, quando povoado recebeu o nome de Porto da Folha.

Vista da Cidade de Traipu no Estado de Alagoas. (foto: Autor)
Porto Da Areia, Traipu, Alagoas. (foto: Claudemir Mota)

Portal da cidade de Traipu, Alagoas. (foto: Claudemir Mota)

Piranhas, cidade localizada em Alagoas,  praticamente no início do baixo São Francisco, Ficou conhecida nacionalmente por ser a cidade onde as cabeças de Lampião e de outros cangaceiros do seu bando ficaram expostas, após decapitação. A cidade é considerada a porta de entrada para se fazer a rota do cangaço (passeio turístico). O ciclo do cangaço se desenvolveu, em parte, no território do São Francisco e em grande parte de sua bacia. Era através do rio que Lampião, Maria Bonita e seu bando, faziam incursão por todo o Sertão. A foz do rio Angicos é visita obrigatória para os turistas.

Cidade de Piranhas - início do baixo São Francisco em Alagoas. (foto: Gilton 14/12/2005)
A correnteza das águas do velho Chico, no município de Gararu, Sergipe. (foto: Donatila Medeiros)

Foz do riacho do buraco da Maria Pereira. (foto: Donatila Medeiros)

Canindé do São Francisco, município sergipano situado no Polígono das secas. Em suas imediações está a Usina Hidrelétrica de Xingó. Além do São Francisco, a região é drenada pelo riacho Lajedinho e pelo rio Curituba.
Matriz de Canindé do São Francisco, Sergipe.


Neópolis. Cidade de grande importância histórica situada no baixo São Francisco, no Estado de Sergipe, é considerada a capital sergipana do frevo, em razão do seu animado carnaval. A região viveu muitos anos sob o domínio dos holandeses. Maurício de Nassau chegou a residir em Neópolis que conta hoje, como grande destaque histórico, cultural e turístico, com a belíssima igreja do Rosário, tombada pelo IPHAN como patrimônio histórico nacional.

Penedo é uma das cidades históricas mais belas do Brasil. Situada na região sul de Alagoas, já teve seus tempos áureos, quando o comercio regional era praticado através do baixo São Francisco. O município esteve sob o domínio dos holandeses de 1637 a 1645. Hoje, sua principal fonte de renda é originada da produção da cana de açúcar, do arroz, do coco e da pecuária. É a cidade, também, um importante destino turístico. O seu patrimônio histórico é dos mais importantes do Nordeste, destacando-se o convento de Nossa Senhora dos Anjos, do Século XVIII, de estilo barroco, a igreja de São Gonçalo Garcia, a igreja de Nossa Senhora da Corrente e o Passo Imperial.

Igreja de São Gonçalo Garcia  em Penedo, Alagoas, em  1919. (foto: arquivo jornalista Nilo Sérgio Pinheiro)
                                   

Igreja de São Gonçalo  Garcia, Penedo AL, vendo-se, ao fundo, a ilha que hoje, em razão da vazão do  São Francisco   juntou-se à terra firme. (foto: arquivo Jornalista Nilo Sérgio Pinheiro)

Enchente do rio São Francisco em  Penedo, Alagoas, em 1952. (foto: arquivo Jornalista Nilo Sérgio Pinheiro)


Grande movimento de embarcações em Penedo, Alagoas. (foto: arquivo Jornalista Nilo Sérgio Pinheiro)

Canoeiro içando a vela de sua "chata". (foto: arquivo Jornalista Nilo Sérgio Pinheiro)


Porto  Maurício de Nassau em Penedo, Alagoas, vendo-se, mais uma vez, as velhas canoas de tolda. (foto: arquivo 1942 - Jornalista Nilo Sérgio Pinheiro)

Grande enchente do rio São Francisco em 1919 - Penedo, Alagoas. (foto: arquivo Jornalista Nilo Sérgio Pinheiro)


       O DESLUMBRANTE   VAPOR  DO SÃO FRANCISCO. UMA TRAJETÓRIA  QUE SE TRANSFORMOU       EM AMARGURADA  TRISTEZA.
                                             Texto:  Nilo  Sérgio Pinheiro (janeiro de 2008)
            "Em 1919  chega à   cidade   do Penedo, o navio Comendador Peixoto. Iria  substituir o Sinimbu, que desde  o ano  de 1870, fazia o percurso Penedo a Piranhas, transportando cargas e passageiros, constituindo-se em  grande  atração por onde  atracava. Antes de ser batizado, com o seu novo nome, o navio Comendador  Peixoto era conhecido como Jaminauá. Adquirido pela  Companhia  Baiana de Navegação, veio do Pará, onde serviu   aquele Estado por vários anos. Chegou a Penedo rebocado pelo vapor Viapoc.  Embora não fosse do mesmo tamanho de seus antecessores,  tornou-se o mais famoso de todos. Mesmo sendo uma embarcação de porte simples, sua versatilidade em muito contribuiu para o seu sucesso em águas sanfranciscanas. De Piranhas a Penedo, fazia  o percurso sem atropelos,  e com versátil desenvoltura, parando nos entrepostos para pegar passageiros, descarregar e embarcar mercadorias.  À sua  chegada, sempre havia o fervilhar entusiástico da população ribeirinha, que via nele o mensageiro de boas novas. Era, na realidade, a empolgação que se refletia na animação geral daqueles que chegavam para reverenciar a sua  imponente envergadura. Uma presença importante nas tradicionais festas de bom Jesus de Navegantes tanto do Penedo como das diversas localidades ribeirinhas. Seu apito estridente anunciava a sua empolgante chegada. Entusiasmava todos aqueles que no alto da rocheira, presenciavam a sua partida, ou chegada. De origem italiana, ele prestou relevantes serviços à comunidade de Belém do Pará por vários anos, quando, finalmente, foi adquirido para substituir o Sinimbu, que, apesar de robusto, já vinha declinando e dando sinais de esgotamento. Como o serviço de restauração seria igual ao preço de um novo navio, optou-se pela compra de uma nova embarcação. A partir de 1919, Penedo recebia o navio Comendador Peixoto com pompas e alegria. Houve um tremendo reboliço na cidade, com a população entusiasticamente chegando ao cais Maurício de Nassau para homenageá-lo, e dizer  de sua grande satisfação    em ter mais um imponente vapor a serviço de sua navegação. Em sua viagem inaugural praticamente toda  a população  foi presenciar a sua partida. Para retribuir    tamanha demonstração de apreço, ele não se fez de rogado, engalanou-se todo, com várias fileiras  de  bandeirolas, que tremulavam ao sabor do vento.   Presentes  estiveram as autoridades locais, assim como a banda de música do   batalhão dos voluntários da pátria , que, além de tocar o hino nacional, entoou inúmeros   dobrados do cancioneiro popular. Não será exagero dizer que  o navio Comendador Peixoto era na verdade  uma extensão  do próprio Penedo, levando consigo a presença constante da grandeza da cidade  ribeirinha. Durante a viagem regular que fazia     até a cidade de Piranhas, no alto  sertão alagoano, ele parava em inúmero lugarejos, e cidades, sendo constantemente alvo de muita curiosidade popular.  Era comum ver as pessoas acompanharem  a sua trajetória das margens do rio São Francisco. Alguns a pé, outros a cavalo.   Com todos demonstrando o exuberante entusiasmo pela grandiosidade  daquela majestosa embarcação. Quando fazia anualmente a viagem para as festividades   do bom Jesus dos Navegantes de Propriá, levando inúmeras pessoas a bordo, havia  sempre  a animação de uma orquestra que alegrava pelo prazer que proporcionava.  No decorrer dos anos trinta do século XX, apareceu uma canção que dizia da importância  do navio Comendador Peixoto:   'O rei  do São Francisco não é de carne nem de osso. É feito de ferro e muito poderoso.  Se algum dia eu tiver que ir  ao sertão, vou ligeiro, mas logo estarei de volta ao meu estimado torrão'. O Comendador  Peixoto não somente deixou saudade para a população de Penedo, também marcou  indelevelmente a sua presença na história do baixo São Francisco. Sem ele a história do rio não seria   tão empolgante   e atraente".                                                                                                             
O deslumbrante navio Comendador Peixoto. (foto: arquivo Jornalista Nilo Sérgio Pinheiro)

Cidade de Penedo, em Alagoas, vendo-se, ao fundo, o exuberante hotel São Francisco. (Foto: arquivo Jornalista Nilo Sérgio Pinheiro)



Cidade de Penedo, Alagoas. (Foto: arquivo Jornalista Nilo Sérgio Pinheiro)


Igreja de Nossa Senhora da Corrente, Penedo, Alagoas. (foto: Claudemir Mota)

Selo  - O bondinho de Penedo - Transporte comunitário - 1936. (foto: arquivo Jornalista Nilo Sérgio Pinheiro)

Capítulo II

A Viagem


Parte I


          Na segunda quinzena do  mês de novembro de 2013, terá início uma expedição composta pelo autor e amigos,  com a finalidade de, a borda da lancha "Catita do Rancho",  percorrer  todo o baixo São Francisco, oportunidade em que  serão catalogados afluentes, ribeiras, lagoas, vegetação e prédios históricos das cidades visitadas. (Aguardem)


Lancha "Catita do Rancho" - Traipu, Alagoas. (Foto: autor)



Referências


ALBUQUERQUE, Isabel Loureiro de. História de Alagoas. Maceió: Sergasa, 2000.

ANDRADE, Nélson Luiz Sampaio de. A cobrança pelo uso dos recursos hídricos, Revista de Direito Ambiental.nº 4. São Paulo: Editora , 1996.

BOMFIM, Luiz Ruben F. de A. Estrada de Ferro Paulo Afonso. Paulo Afonso: Graftech, 2001.

CARVALHO, José Murilo de. D. Pedro II – ser ou não ser. São Paulo: Cia das Letras, 2007.

CARVALHO, Marcos Bernardino de - Geografias do Mundo, Marcos Bernardino de Carvalho, Diamantino Alves Correia Pereira. São Paulo - Fronteiras, FTD, 2005

COSTA, Craveiro. História das Alagoas. São Paulo. Livraria José Olímpio.1928.

CRUZ, Fernando Castro da. EUD. São Paulo 1993.

Daily Telegraph.. Aral Sea one of the planet's worst environmental disasters. Pagina visitada em 2010.
TENÓRIO, Douglas Apratto. Rio São Francisco um ninho de culturas. Douglas Apratto Tenório/Carmem Lúcia Dantas. Maceió: Sebrae/Edufal. 2010.

TENÓRIO, Douglas Apratto. Capitalismo e ferrovias no Brasil. 2ª ed. Curitiba: HD Livros,1996.

GOMES, Telmo. Embarcações portuguesas. Lisboa: Edições Inapa, 1977.

MELLO, Evaldo Cabral de. O norte agrário e o império. Rio de Janeiro: Topbooks, 1999.

SAMPAIO, Theodoro. O rio de S. Francisco e a chapada Diamantina. Bahia: Editora Cruzeiro, 1938.

SILVA, Davi Roberto Bandeira da. A Construção da Estrada de Ferro Paulo Afonso. Maceió, IHGAL, Gráfica e Editora Saber, 2012.

U.S Geological Survey – Earthshots: Aral Sea Pagina visitada em 2010


                                                                      Notas


¹ http//www.cartamaior.com.br Como morrer de sede com água no joelho. Por João Suassuna. 08/03/2005. Pag. visitada em 15/02/2013.
-http//www.cartamaior.com.br Na iminência do primeiro equivoco. por João Suassuna. 11/07/2003. (ídem)
² http/www.ecodebate.com.br Transposição do rio são Francisco; um crime ambiental e social. por Frei Gilvander Moreira. Pag. visitada em 26/10/2013.
³ http/www.infoescola.com Transposição do rio São Francisco por Caroline Faria. Acesso em 10/10/2013.
4 http//www.maniadehistória.word.press.com O mito da transposição do São Francisco. por João Abner Guimarães Júnior - maio de 2004. Pag. visitada em 27/10/2013.  
5 ttp/wwwcptnacional.org.br/index.php/notícias/48-rio-são-francisco. Entrevista de Roberto Malvezzi ao Poetal Minas Livre. Pag. visitada em 03/11/2013
6 httpwww2.uolbr/JCsites/indios/terra 3htm1  -  Transposição é tema de polêmica nas aldeias. Pag. visitada em 26/10/2013.
7 http//www;itanotempo.com.br História de Itaparica. Acesso em  21/10/2013.   
8 http//www.ebah,com,br/contentABAAAAPDoAD/água doce pag visitada em 20/10/2013.
9 ptwikipédia.org/wiki/Mar de Aral - pag. visitada em 06/04/2013.
10 MELLO, Evaldo Cabral de. O norte agrário e o império, 1871-1889. Rio de Janeiro: Topbooks, pag.191.