sábado, 3 de setembro de 2011

Rio de Lágrimas


Rio de lágrimas

* Eduardo Tavares Mendes


Apesar de sua importância, o “Velho Chico” tem agonizado de morte, face ao descaso dos governos federal e estaduais que insistem em não ver que a proliferação de hidrelétricas e o desflorestamento somente têm contribuído para o fim do chamado “Nilo brasileiro”.

O Rio das Velhas, maior afluente do São Francisco, já não é mais o mesmo de outrora: navegável e com fartura de peixes.

Outros afluentes que dão corpo ao grande Rio não têm sido capazes de manter o seu leito cheio como dantes, e as previsões de que secará de vez começam a preocupar os “beiradeiros” que já não encontram maiores dificuldades para atravessar, a nado, o seu curso maior.

Esta falta de preocupação das autoridades constituídas com o meio ambiente e, sobretudo, com a sobrevivência de um rio histórica e economicamente essencial para o progresso de parte de um território tão vasto como o Nordeste, mormente em época em que os países mais desenvolvidos direcionam toda atenção para a subsistência do próprio planeta Terra, não condiz com o espírito ecológico do brasileiro, que tem primado pela preservação das nossas florestas, da nossa fauna, dos nossos rios e lagos, e da vida em todas as suas formas e manifestações.

Em recente viagem à Argentina, pudemos verificar como as províncias de Buenos Aires e Tigre convivem com o Rio Tigre, conjugando o lazer com a produção de pescados. Rio de pouca e escura água, diferentemente de muitos dos nossos, é de espantar o cuidado que o governo e os povos ribeirinhos têm com o seu leito caudaloso e estreito.

No Estado do Maranhão, em visita à região dos Lençóis, observamos, igualmente, o nascer e o morrer do Rio Preguiça que, com pouco mais de cem quilômetros de extensão, consegue levar fartura e entretenimento às populações marginais, até chegar ao oceano Atlântico, sem sofrer qualquer agressão no seu ecossistema . Apesar do seu pequeno porte, embarcações de até doze metros singram as suas águas, formando um constante vai-e-vem de lanchas e barcaças, à vela e motorizadas, no veio principal e nos seus canais.

No São Francisco, entretanto, canoas de “tolda” e grandes embarcações só na lembranças dos tempos das enchentes: da “tupi”, da “tupiji” e da “tupã”, dos ‘mandins”, dos “surubins” e dos “carás”, quando cada feira era uma riqueza de produtos, do rio e das roças, ocasião em que a velha “candelária” unia seus povos, transportando seus pertences, sua história e seu folclore.

As barragens e o desmatamento, especialmente das cabeceiras, têm sido, inegavelmente, os maiores responsáveis pelo enfraquecimento do outrora pujante rio que, da maneira como se encontra, já não é mais soberbo, pois perdeu a exuberância das águas, a força das correntezas, a vaidade de sua beleza, a imponência das velas, o desfile das “chatas”...

Para o povo do rio, resta a esperança que, no dizer do padre Vieira, é a “doce companheira da alma” e que nos faz sonhar com melhores dias para tantas comunidades que dependem de sua saúde e do seu vigor. Como gente da região, resta-nos o consolo da solidariedade do sertanejo, da sua garra e do seu destemor, o que nos faz afirmar, repetindo o cancioneiro popular, que “em nossas veias corre sangue com areia daquele velho chão caboclo”. A ameaça da transposição de suas águas para abastecer outros rios, faz-nos refletir e recorrer ao ensinamento da frase de autoria desconhecida que afirma: “ mais vale preservar um gota d’água do São Francisco, hoje, do que chorar uma lágrima por ele amanhã, mesmo que sincera.”



* Presidente da Associação do Ministério Público de Alagoas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

comentário