É
com imensa alegria que tomamos posse, nesta oportunidade, como
membro efetivo deste prestigiado e tradicional Instituto Histórico
e Geográfico de Alagoas, na qualidade de titular da cadeira nº 57,
patroneada pelo jornalista e educador Joaquim Inácio Loureiro e
ocupada, até o ano recém-findo, pela figura ímpar do desportista
José Sebastião Bastos.
O
ingresso neste sodalício deixa-me não só muito feliz como
profundamente honrado: não bastassem as relevantes finalidades do
Instituto na seara da História, da Geografia, da Arqueologia e da
Antropologia, as grandes personalidades que aqui estão e que por
aqui passaram revelam a grandeza desta Casa mais do que centenária
de que agora faço parte.
Cito, apenas para exemplificar,
os nomes de Silvério Jorge, Dias Cabral, Medeiros Neto, Diegues
Júnior, Osório Gatto, Anfilófio Jayme de Altavila , Demócrito
Gracindo, Hélio Cabral, e tantos outros que, a partir de sua
instalação, em 02 de dezembro de 1869, sob a coordenação do 33o
Presidente da Província das Alagoas, José Bento da Cunha
Figueiredo Júnior, até tempos recentes, nos legaram a missão e o
papel de guardiões da cultura e da memória das Alagoas.
Quero salientar aqui a
importância da História como ciência e instrumento de pesquisa
para o desenvolvimento da sociedade humana. O crítico literário
Jean-Didier Wolfromm lembrou que
“nossa curiosidade
sobre as coisas do
passado não tem fim.
Jamais nos sentiremos
saciados de saber se
era antes, de outro
modo ou noutro lugar,
que deveríamos ter
nascido”.
Penso ser inaceitável hoje
conceber a História apartada da Filosofia. O intenso
desenvolvimento das ciências sociais no século XX, reflexo dos
novos paradigmas metodológicos criados pelos filósofos do
Iluminismo e pelos pensadores alemães dos séculos XVIII e XIX,
propiciou esse encontro fundamental.
Dentre esses pensadores impende
citar os nomes de Immanuel Kant, Hegel e Karl Marx. Esses gigantes
do pensamento universal transformaram o estudo da História, antes
vista como um simples relicário de fatos, datas e nomes, em uma
ferramenta para a compreensão das “leis ocultas” que movem os
passos da civilização.
Não
existe nada que não tenha a sua história: o homem é um ser
histórico na sua dimensão social, e ao mesmo tempo em que constrói
a sua história, ele é por ela constituído como sujeito de fato e
de direito.
O
historiador, no marco do conhecimento moderno, deixou de ser um
observador contemplativo dos movimentos sociais, dedicado à mera
descrição de uma dada sucessão de fatos, para tornar-se o
analista credenciado das relações de poder que condicionam esses
fatos e os dispõem em uma sequência quase inevitável.
O
mundo avança por caminhos traçados de acordo com uma geometria
política regida por leis dificilmente contornáveis.
Não estou a defender o
determinismo histórico. Mas a reconhecer que, embora não seja
sujeito passivo dos acontecimentos, o ser humano não influi,
enquanto indivíduo, no curso das grandes narrativas. As grandes
narrativas humanas dependem de fatores materiais, políticos e
econômicos que seguem uma lógica própria até se esgotarem pela
dinâmica das necessidades emergentes.
Acerca dessa questão, Marx
registrou, com lapidar proficiência, que “Os
homens fazem sua própria
história, mas não a
fazem sob circunstâncias
de sua escolha e
sim sob aquelas legadas
e transmitidas pelo
passado”.
“Fazer história” não
significa apenas documentar acontecimentos grandiosos ou escrever
páginas laudatórias a respeito dos “grandes vultos” do passado,
mas identificar, na marcha das gerações e de suas instituições
(Estado, Família, Direito, Religião, Educação, Mercado etc.), os
sinais dos processos de mudança e os mecanismos que os alimentam.
Estimulados por essa
contextura epistemológica, torna-se razoavelmente fácil responder a
indagação posta pelo historiador Voltaire Schilling: (???)“É
possível extrair-se algum sentido dessa sucessão de guerras, de
grandes confrontos bélicos, de destruição de templos e cidades
inteiras, [...], do desaparecimento de antigas e da emergência de
novas civilizações que marcaram a história da humanidade???”
Direi que sim, que a História tem a sua lógica, e compreendê-la
implica a formulação de um método apto a penetrar o âmago do
discurso civilizatório.
O
objeto da História é a cultura. O pesquisador deve debruçar-se
sobre a cultura para entender o fluxo das mutações gerais dentro
de uma dada formação social em uma determinada época.
Para
cumprir bem o seu papel, o historiador precisa munir-se de um método
compatível com o objeto que ambiciona desvelar: (???)como saímos
da pré-História para a comunidade primitiva? (???)E desta para o
escravismo, cumprindo diversas etapas até chegar aos dias de hoje,
na emergência da globalização?
Estudar a história não
significa registrar o que os homens fizeram, mas compreender as
engrenagens criadoras das circunstâncias que deram homens como
aqueles, com suas ideias e visões do mundo, em seu tempo e espaço
próprios, e os levaram a agir exatamente como agiram.
Trata-se, no caso, das
chamadas “fontes históricas”, cujo estudo, interpretação e
sistematização podem levar, por dedução, a novas teorias da
História. Prova da existência de leis que regem a aventura humana
podemos encontrar no fato de que o passado não se repete, ou não se
reproduz, salvo como tragédia ou como farsa, como escreveu o
pensador alemão Karl Marx.
História, Filosofia e
Política são disciplinas autônomas, é bem verdade, mas atuam no
campo das ciências sociais e compõem a grande trilogia do tempo,
atuando em permanente e recíproco vir-a-ser. Todas elas têm seu
método específico, mas, ao modo dos galhos de uma árvore,
constituem o tecido capilar por onde a seiva do conhecimento flui e
irriga a vida dos grupos humanos.
As ciências naturais cuidam
dos problemas da existência com os vastos recursos do método
experimental, que as impregna de uma noção de certeza quase
matemática.
A Física newtoniana
conseguiu desvendar, no século XVII, as regras até então
misteriosas do funcionamento do Cosmo. Kant, o filósofo
indispensável, na busca de aproximação entre as ciências do
espírito e o conhecimento empírico, edificou as bases da Filosofia
da História no século seguinte, com vistas a pesquisar
cientificamente os fenômenos mundanos à luz do racionalismo
cartesiano, na conformidade da síntese “Penso, logo existo”. Uma
filosofia, portanto, de inspiração racional, porém configurada no
ideal metafísico que conduz tudo que existe à Razão Suprema, isto
é, a Deus.
Ele
concebeu um modelo racional de História que se volta para o passado
para compreender melhor o presente e o futuro.
Um
modelo eminentemente hermenêutico, cuja noção de verdade e de
certeza está sempre exposta à crítica.
Nessa cosmovisão, a História
seria o meio necessário mediante o qual a humanidade alcançaria a
ordem absoluta, porque as leis que regem o mundo são universais e
se dirigem à realização do ideal de progresso com ordem e
segurança.
No
século seguinte, Marx trabalhou conceitos novos, identificados com
a doutrina do materialismo dialético. Era imperioso resgatar o nexo
causal entre os fatos históricos e os seus antecedentes políticos
e econômicos, expondo esses fatos a fenômenos como produção,
mercado, capital e o que chamou de “luta de classes”.
Antes dele, Hegel, influenciado
pelas ideias de Rousseau e Kant, desenvolveu a noção relacional
entre a mente e a natureza, entre o sujeito cognoscente e o objeto
cognoscível. De suas lucubrações chegou ao postulado de que “a
mente manifesta-se em um conjunto de oposições e contradições”,
que só se resolvem pela superação de uma força – tese – por
outra – antítese – na construção da síntese, que representa
um avanço sobre o estágio anterior. E por aí segue a
História...
Este sistema, matriz do
raciocínio dialético desde a Antiguidade Grega, foi aperfeiçoado
por Hegel, em um primeiro momento, e depois por Marx, e constitui a
própria substância do conhecimento da História que, nesse outro
nível teórico, pode servir como instrumento de conscientização
dos homens para a tarefa científica de construção de um mundo
melhor.
A propósito do tema,
parece-me de interesse explicitar a relação existente entre certas
conjunturas políticas e sociais com o aparecimento de ideias
científicas e de personagens da Filosofia que marcaram os quatro mil
anos da civilização.
Sobre esse pano de fundo, o
pensador franco-argelino Louis Althusser nos apresentou, em livro de
1971, uma conjunção de acontecimentos políticos e científicos
representativos de modificações importantes da conjuntura
política, social e econômica anterior.
Ele
nos lembrou que a constituição do Império Macedônio, que
coincide com o fim do sistema de governo das cidades gregas, vem
acompanhada da ideia de uma ciência biológica atrelada às
concepções de Aristóteles.
A
constituição do Império Romano escravista seguiu a ideia de uma
nova Física e testemunhou o nascimento da doutrina dos estoicos.
Por outro lado, o desenvolvimento das relações jurídicas
mercantis sob a Monarquia Absoluta, no século XVIII, emoldurou a
Física de Galileu Galilei e o pensamento de René Descartes.
Do
mesmo modo, a ascensão da burguesia após a Revolução Francesa
alinhou-se à refundição da Física por Newton e às ideias de
Kant.
O cientista britânico Eric
Hobsbawm, já citado, jamais escondeu suas preocupações de,
enquanto historiador, “aprimorar as análises históricas para
criar mecanismos mais eficientes de predições econômicas e
sociais”.
Destaco, agora, o papel do
historiador que retira e preserva os tesouros do passado, interpreta
a história e aprofunda sua consciência sobre a realidade presente,
ajudando o homem a refletir sobre a condição humana e a
transformá-la em seu benefício.
Refiro-me ao historiador que,
na qualidade de um autêntico cientista, colhe dos fatos sua
essência, isto é, as leis internas de seu desenvolvimento e as
oferece ao mundo político, a quem cabe operar as mudanças que a
sociedade tanto reclama. Este é o começo daquilo que Dany-Robért
Difú chamou de “grande narrativa libertadora”.
Convém observar, por
oportuno, que a ligação com o cotidiano tem tornado a História
cada vez mais fascinante para o homem comum, interessado em comparar
o mundo moderno com a realidade de décadas e séculos atrás e, a
partir daí, extrair elementos de cognição que lhe permitam avaliar
se estamos avançando em áreas tão sensíveis como a dos direitos
humanos, das liberdades públicas e da democratização do exercício
do poder de Estado.
Além de se empenharem na
compreensão dos mitos, das guerras, dos governos, da política, dos
santos e dos heróis, os historiadores começam a pesquisar a
história do medo, do corpo, da moeda, da arte, da indumentária, da
escrita, das línguas, enfim, dessa miríade de fatos do cotidiano,
dando ensejo à criação de novos campos de pesquisa em setores como
a paleografia, a numismática, a estética, a filologia e a
etnologia.
A história já registrou
grandes rupturas nos tempos mais recentes, vale dizer, da Idade Média
à Contemporaneidade, e a cada ciclo novas rupturas surgem. O
escravismo foi substituído pelo feudalismo, que teve sua origem na
decadência do Império Romano e se caracterizou por relações de
produção de servilismo, baseadas na propriedade privada da terra e
na economia sem comércio. Ao feudalismo se seguiu o capitalismo.
Em
1917, trabalhadores urbanos e camponeses russos protagonizaram uma
revolta armada de massa e tomaram o poder da monarquia czarista,
implantando o fim da propriedade privada dos meios de produção,
inclusive a terra, e a economia planificada.
Mais
do que uma simples ruptura, uma verdadeira revolução
político-social que levou à derrocada das estruturas semifeudais
do país e se autoproclamou socialista.
A experiência vivida pela
ex-União Soviética, liderada pela Rússia, durou 74 anos até
implodir, em 1991, diluindo-se na tempestade da Glasnost e da
Perestroika de Mikhail Gorbatchev.
O que parecia sólido
tornou-se fluido: o socialismo soviético não passou de uma miragem
e, portanto, desvaneceu-se. Com o fim do socialismo no gigante
eurasiano, o cientista político Frencis Fukayama prognosticou o “fim
da História”: no seu entendimento, a inexistência de uma força
antagônica ao capitalismo tornava a História irrelevante.
Ledo engano! Vivemos hoje uma
realidade na qual o capitalismo, corroído por frequentes crises
estruturais e cíclicas, não tem se mostrado capaz de concretizar as
esperanças de uma população que, aqui e alhures, aspira a
remodelar o mundo e a torná-lo um lugar mais digno para todos.
E o que temos hoje? O poder
econômico toma conta de tudo; o capital não tem pátria nem
compromisso social: não respeita a liberdade das minorias, a
diversidade cultural, a autodeterminação dos povos, os direitos
humanos nem o meio ambiente.
Temos que nos preocupar com o
nosso planeta, com a vida em todas as suas formas e manifestações.
O
ex-Primeiro Ministro da extinta União Soviética, Mikhail
Gorbachev, afirmou: “Com toda a diversidade de sistemas sociais
e políticos, este mundo é um só. Somos todos passageiros a
bordo de uma nave, a Terra, e não podemos deixar que ela
naufrague. Não haverá uma segunda arca de Noé”.
A natureza é, na verdade, o
útero do qual saímos todos, e a humanidade dela se afastou pela
cultura; mas ao seu regaço um dia voltaremos, como filhos pródigos
e, talvez, como filhos ingratos também.
Ninguém mais ignora a simbiose
existente entre a Geografia e a História.
A
Geografia, enraizada na ampla descrição dos aspectos físicos do
mundo e de sua impressionante variedade cartográfica, constitui-se
em ciência da compreensão de uma paisagem global do tipo
homem-território.
Conquanto forte no aspecto
exterior da Terra, a Geografia deve unir o natural e o social e
promover uma prática humana que nos leve ao conhecimento mais
profundo da relação entre o homem e a natureza.
Deve
ser vista como espaço destinado a abrigar as interações do
domínio orgânico com o inorgânico, do ser humano com os demais
âmbitos da natureza (a biosfera, a atmosfera, a litosfera e a
hidrosfera) e a promover uma visão humanística sobre toda a
complexidade biofísica do mundo.
As
modernas tecnologias da informação estão literalmente diluindo as
fronteiras estatais: o que se passa na China distante chega às mais
diversas regiões do planeta com uma imediatidade meteórica.
As
empresas multinacionais se expandem com voracidade, o que reduz
Estados nacionais a simples sucursais de uma rede corporativa
transnacional que controla a economia globalizada.
Esses novos fenômenos
geopolíticos e econômicos impõem desafios àqueles que desejam se
aprofundar no conhecimento do que se passa no mundo atual. É nesse
instante que percebemos a importância do estudo integrado da
história com a geografia, do tempo com o espaço, para concluir
sobre a impossibilidade de uma história sem geografia ou de uma
geografia sem história.
Abro agora um largo
parêntese para falar sobre o Direito. Como homem da ciência
jurídica, tenho estudado a história do Direito no mundo e, em
particular, no Brasil.
Dentro desse estudo, tenho me
aprofundado na pesquisa sobre a história da justiça e do Ministério
Público Brasileiro, Instituição da qual faço parte e que tantos e
tão relevantes serviços tem prestado à nossa sociedade.
Entre nós, o surgimento
de uma instituição parecida com o Ministério Público se deu com o
Tribunal da Relação, na Bahia, quando foi criada a figura do
Procurador dos Feitos da Coroa e da Fazenda e Protetor dos Interesses
dos Órfãos e das Viúvas, isso no ano de 1609.
Daí
dizer-se que o chamado parquet brasileiro tem 400 anos
de existência. Começou a surgir ali o primeiro traço do que viria
a ser o Ministério Público da atualidade, uma Instituição
permanente e essencial à função jurisdicional do Estado.
Entidade autônoma, una e
independente, promotora da justiça social, vocacionada à defesa do
regime democrático e dos direitos mais elementares da sociedade,
tem sido, ao longo dos anos, um sustentáculo da Constituição
republicana e da justiça.
Dessa forma, o Ministério
Público vem fazendo a sua hora, influindo na história do Brasil,
mudando rumos equívocos e ajudando a promover o aprimoramento
social, a ponto de ser considerado hoje a grande esperança do povo
sofrido e espoliado deste Pais de tantas iniquidades.
Com esse discurso, quero
ratificar a minha disposição de aprofundar os estudos sobre essa
Instituição que vem a ser uma das mais importantes do mundo na
atualidade e que tem como uma de suas mais sublimes missões reduzir
o grande fosso que, em pleno século XXI, ainda existe entre a nação
e o Estado, entre o povo e o poder público.
Espero, sinceramente,
contar com o inestimável apoio de meus ilustres pares, mormente
daqueles oriundos do Ministério Público, para dar cobro a essa
edificante tarefa.
A nossa grande missão como
cidadãos da era tecnológica vem a ser o aprimoramento político e
social da nação brasileira. “Nada mais prejudicial para uma
nação”, dizia Bismarck, “que os seres humanos espertos serem
considerados sábios”.
Apesar do uso predatório da
tecnologia, da suspeitíssima política nuclear disseminada nos cinco
continentes, das guerras que eclodem por toda parte, dos genocídios,
das constantes agressões aos direitos humanos, apesar da fome que se
abate sobre boa parte dos países da África, da Asia e das Américas
Central e do Sul, ainda acredito no homem. Sou um otimista porque
sou um homem de fé, e o otimismo é a fé em ação.
Senhoras e senhores.
Senhor presidente,
Honra-me, digo mais uma vez,
fazer parte desta Instituição, onde militam uma plêiade de
mulheres e homens tão importantes como as senhoras e os senhores,
todos baluartes do saber, e alguns, no meu sentir, lendas vivas da
cultura alagoana, como Milton Hênio, Marcos Melo e Jayme de
Altavila.
Enalteço aqui o papel da
mulher pesquisadora, historiadora, geógrafa, escritora, poeta,
musicista, gigantes da nossa cultura e, nesse passo, saúdo as
intelectuais Teomirtes Barros, Selma Brito, Solange Chalita, Venúsia
de Barros Melo, Rosiane Rodrigues, Carmem Lúcia Dantas, Silvana
Quintela Cavalcante, Maristher Moura Vasconcelos, Nádia Fernanda de
Amorim e Ângela Maria Canuto.
Dizem que os homens
conquistaram o mundo, mas. Com certeza foram as mulheres que o
proveram de beleza, de vida, de amor e de paz.
Paz é o grande tema da
atualidade. Ela está no cerne da busca ingente do cidadão, dos
povos civilizados, dos juristas, dos cientistas, e cabe aos
historiadores estarem atentos a essa grande jornada humanitária e
planetária, acompanhando, registrando, para que um dia possamos
afirmar que o Sumo Pontífice João XXIII estava certo quando dizia:
“Justiça é o novo nome da paz”. Plantemos justiça, pois, e
colhamos a paz.
Senhor Presidente.
É motivo de muita
satisfação falar agora sobre o grande alagoano Joaquim Inácio
Loureiro, professor, político e jornalista, patrono da cadeira 57
deste Instituto. Seus atributos morais e sua inteligência são
características que o fizeram um dos homens importantes desta terra
no campo das letras, do magistério, da política e do jornalismo,
conforme depoimentos de seus contemporâneos.
O mestre Loureiro nasceu na
zona rural, mais precisamente no sítio Campo Grande, na antiga
cidade de Alagoas, hoje Marechal Deodoro, no dia 30 de outubro de
1846. Seus pais, Joaquim Inácio Loureiro e dona Francisca Inácio
Loureiro, muito o incentivaram a iniciar a sua caminhada através do
magistério
Com apenas 16 anos de
idade, começou a ensinar. Em agosto de 1861, participou de um
concurso em que foram examinadores os professores José Alexandre
Passos, Camilo de Sales Pereira e José Antônio Bahia da Cunha,
conhecidos por agirem com austeridade e com rigor em certames
daquela natureza. Aprovado, foi nomeado professor vitalício na
cidade de Matriz do Camaragibe.
Em seguida, passou a
lecionar na Barra de São Miguel, onde contraiu núpcias com dona
Maria da Graça Pereira Loureiro, filha do português José Pereira
dos Santos, capitão marítimo.
Desenhavam-se, ainda no
início de sua juventude, os traços do grande mestre que Joaquim
Loureiro viria a ser, “tendo se apropriado de novos métodos e de
mais acrescentados conhecimentos, por força de lições obrigatórias
e no trato com mestres experientes”, nas palavras do jornalista
Augusto Vaz Filho em livro dedicado aos alagoanos ilustres.
Em novembro de 1871, foi
nomeado Tenente do Batalhão de Reserva da Guarda Nacional. No ano
seguinte, designado para dirigir a Escola Noturna de sua terra natal,
permaneceu no cargo até 1874. Passou pelo Pilar, voltou para
Camaragibe e de novo esteve em Alagoas (Marechal Deodoro), tendo sido
removido posteriormente para Maceió.
Joaquim Inácio Loureiro
fez parte da Escola Superior, anexa ao “Pedagogium”, que era uma
espécie de senado de professores, de todo corpo docente do Estado,
onde se discutiam as teses e práticas de interesse direto da
instrução pública.
Em 1892, o Professor
Loureiro foi nomeado lente de latim do Liceu alagoano, passando em
1894 a reger a cadeira de Escrituração Mercantil, onde permaneceu
até novembro de 1896, quando se aposentou com 39 anos de serviço
público.
O professor Joaquim
Inácio Loureiro notabilizou-se, também, como político e como
jornalista. Aurino Maciel observa que “onde quer que estivesse, foi
o professor Loureiro dono de uma importante e vibrante pena a
serviço do Partido Conservador.
O professor Loureiro foi um
dos mais destacados jornalistas do seu tempo, sobressaindo-se não
somente pelas atitudes desassombradas, mas também pelo estilo
correto e brilhante dos seus artigos, tendo sido reconhecido como um
argumentador provido de espírito culto e poder de síntese. Seus
escritos eram claros, concisos e profundos, diziam os críticos da
época.
Falecido em 1920, o professor
Joaquim Inácio Loureiro dignifica a cadeira por ele inaugurada e que
doravante tenho a honra de ocupar.
Senhor Presidente, minhas
Senhoras, meus senhores,
A cadeira nº 57 deste
venerável Instituto, na qual passo a ter assento, pertenceu ao
ilustre jornalista, desportista, advogado e homem público José
Sebastião Bastos, seu segundo ocupante.
“Bastinho”, como era
popularmente conhecido, sucedeu na cadeira o Monsenhor José Luís
Soares em 1999 e, no Parecer lavrado pela Comissão de admissão de
Sócios que apreciou sua candidatura, consta que ele possuía “um
currículo profissional bastante expressivo”, o que pode ser
comprovado pelo rico acervo de cargos, funções e atividades
públicas e privadas que exerceu durante sua profícua existência.
Senão vejamos.
José Sebastião Bastos nasceu
no dia 02 de dezembro de 1922 no bairro operário de Fernão Velho.
Filho de Sebastião Bandeira Bastos e Maria Adalgisa Bastos, fez o
curso primário no Grupo Escolar Cincinato Pinto, situado na Rua
General Hermes, no bairro do Bom Parto. Neste ponto vale a pena
registrar uma interessante coincidência: o local onde se ergueu
aquela unidade de ensino foi o mesmo que serviu de residência ao
ilustre jurista Jayme de Altavila, pai do atual presidente desta
Academia, e que viria a ser professor de “Bastinho” no vetusto
Lyceu Alagoano e, mais tarde, na Faculdade de Direito.
“Bastinho” teve uma breve
experiência política em seu currículo, como vereador pelo
município de Maceió na legislatura de 1951 a 1955. Foi jornalista e
dirigiu o “Jornal de Hoje” durante 18 anos.
Entre as atribuições que
abrilhantam a sua colorida biografia constam as de presidente da
Federação Alagoana de Desporto, presidente do Conselho Regional de
Desporto; conselheiro da Ordem dos advogados do Brasil; presidente da
Federação das Colônias de Pescadores de Alagoas; vice-presidente
da Campanha Nacional de Escolas da Comunidade, conselheiro da
Fundação Teatro Deodoro; conselheiro da Empresa de Recursos
Naturais de Alagoas; conselheiro da Fundação Alagoana de Promoções
Esportivas, a FAPE e diretor da Confederação Brasileira de
Futebol, a CBF; Sua dedicação ao esporte foi notável, e as
múltiplas atividades que desempenhou em Alagoas e no Brasil falam
por si sós.
Na esfera pública, além de
sua passagem pela Casa de Mário Guimarães, exerceu os cargos e
funções de Inspetor de Educação do Município de Maceió, de
comandante da Guarda Civil; de diretor do Departamento Estadual de
Educação; de chefe de gabinete da Secretaria de Educação e
Cultura do Estado de Alagoas; diretor administrativo do Serveal,
Serviço de Engenharia do Estado de Alagoas, dentre outros.
José Sebastião Bastos
prestou diversos e relevantes serviços à sociedade alagoana e
brasileira, como pudemos constatar, e por isso foi alvo de inúmeras
e merecidas homenagens.
Em
uma de suas saudações ao velho amigo o radialista Lautheney
Perdigão nos bridou com uma pérola de sua conhecida verve, ao
registrar episódios pitorescos da vida de “Bastinho”. A certa
altura, escreveu:
“Na
vida de nosso personagem aconteceram coisas incríveis. Foi
presidente da Federação Alagoana de Desportos sem nunca ter
chutado uma bola. Foi Comandante da Guarda Civil sem ter sido
militar. Foi diretor administrativo do Serviço de Engenharia do
Estado sem nunca ter sido engenheiro. Foi presidente da Colônia de
Pescadores sem nunca ter lançado um anzol...”.
Era
essa a marca da personalidade inquieta de “Bastinho”, um homem
versátil, inteligente, pragmático e realizador, que deixou para
todos nós o legado de sua humildade e o amor à vida e ao trabalho.
Senhoras, Senhores,
Senhor Presidente:
A esta altura, Peço
vênia aos meus ilustres pares e à distinta plateia para fazer um
breve relato de minha trajetória, toda ela vivenciada em nossa
querida Alagoas.
Nasci na ribeirinha Traipu
e criei-me brincando entre as caatingas e velejando nas águas
caudalosas do Rio São Francisco , o “Velho Chico”. E sobre o
Velho Rio, quero falar um pouco:
Como um amante da natureza,
reafirmo aqui o que venho dizendo ao longo dos últimos anos nos
congressos de meio ambiente de que tenho participado: estão matando
o “Velho Chico”, onde canoas de “tolda” e grandes
embarcações, como a “Tupi”, a “Tupiji” e a “Tupã”,
agora só existem na lembrança dos tempos das enchentes.
Nas feiras, abundavam os
frutos do generoso rio, os “mandins”, os “surubins” e os
“carás”, ocasião em que a “Velha Candelária” unia os povos
ribeirinhos, transportando seus pertencentes, contando suas histórias
e louvando o seu folclore.
“As barragens e o
desmatamento das cabeceiras”, escrevi em artigo publicado na
imprensa local, “tem sido os maiores responsáveis pelo
enfraquecimento do rio, outrora pujante, que, da maneira como se
encontra, já não é mais o soberbo “Rio da Unidade Nacional”,
pois perdeu a exuberância das águas, a força das correntezas, a
vaidade de sua beleza, a imponência das velas, o desfile das
saudosas “chatas”...
Senhor presidente, minhas
senhoras, meus senhores, meu caro amigo e beiradeiro Álvaro
Machado, a execução das obras da transposição das águas do São
Francisco, ainda que para abastecer outros rios, faz-nos refletir e
recorrer ao ensinamento contido em uma frase que encontrei
casualmente algures, de autoria desconhecida, que proclama:
“Mais vale preservar uma gota
d' água que seja do São Francisco, hoje, do que chorar uma lágrima
por ele amanhã, mesmo que sincera.”
Voltando a Traipu
Faço um retorno mental à
minha querida Traipu. (???)A política da época? Desprovida de
violência! De relevante o fato de que, quando o chefe político
Gonçalo Tavares, meu avô, ascendia ao poder municipal, a feira
descia para a Rua de Baixo, onde ele mantinha o seu estabelecimento
comercial. Quando, todavia, o outro chefe político, Afonso Freitas,
assumia o poder, a feira se instalava na Praça de Cima,
simbolizando, geograficamente, a força política que mandava no
município, na ocasião.
Cursei o primário no Grupo
Escolar Moreno Brandão (…...) Já adolescente, mudei-me para
Capital, onde fiz a segunda parte do curso médio, então conhecido
como curso ginasial.
Ainda adolescente, passei a
trabalhar na sucursal da Gazeta de Alagoas, em Palmeira dos Índios,
onde concluí o curso científico, última etapa do curso médio. Na
“Princesa do Agreste” nasceram os meus filhos mais velhos,
Cristiano e Eduardo. Minha permanência em Palmeira dos Índios foi
um aprendizado cotidiano. Detinha prestígio enorme, pois era gerente
da Gazeta de Alagoas e, como tal, mantive estreita convivência com
homens como Luiz B. Torres e Valdemar de Souza Lima. Com este,
percorri vários municípios alagoanos, acompanhando-o em suas
pesquisas sobre “Lampião” e seus cangaceiros.
Prestei vestibular para o
curso de Direito e, assim, mudei-me novamente para esta Capital,
passando a estudar na Faculdade de Direito da Universidade Federal de
Alagoas, sem prejuízo do vínculo com o jornal “A Gazeta”, além
de trabalhar no Jornal de Hoje e no Tribunal de Contas do Estado.
Antes de concluir o Curso de
Direito, fui eleito Vereador em minha terra natal, tendo ocupado a
vice-presidência da Câmara Municipal. Assumi a direção do Jornal
de Hoje pouco tempo depois. Em Palmeira dos Índios, fundei a “Gazeta
do Sertão” (….). Fui diretor de escola cenecista e, finalmente,
ingressei no Ministério Público estadual, onde estou há mais de 25
anos.
Trabalhei em diversas comarcas
do Estado como promotor de Justiça e, ao ser finalmente promovido
para a Promotoria do júri, aqui em Maceió, passei a exercer o
magistério, lecionando as disciplinas Direito Penal e Direito
Processual Penal na Faculdade de Direito de Maceió, Fadima, no
Tribunal de Justiça, na Escola Superior do Ministério Público e na
Ordem dos Advogados do Brasil. No Cesmac, logo fui escolhido
vice-Diretor e coordenador da Faculdade de Direito, sendo depois
eleito Diretor, funções que exerci por mais de 15 anos.
Ao lado de todas essas
atividades exercidas no magistério superior e no Ministério
Público, fui eleito tesoureiro, vice-presidente e quatro vezes
presidente da Associação do Ministério Público de Alagoas, tendo
sido escolhido, na oportunidade, vice-presidente da Confederação
Nacional do Ministério Público – a CONAMP.
Em novembro de 2008,
participei da eleição para escolha do Procurador-Geral de Justiça
do Ministério Público estadual, tendo sido o candidato mais votado
e, em seguida, nomeado pelo Governador Teotônio Vilela Filho para
dirigir os destinos da Instituição em duas gestões. Nesta última,
exerci durante um ano o honroso cargo de vice-Presidente do Conselho
Nacional de Procuradores Gerais do Brasil para o Nordeste.
Creio que dei a minha
contribuição, como chefe do Ministério Público, ao processo de
aprimoramento político e social de Alagoas. Consolidei amizades e
aprendi muito. As pessoas de Teotônio Vilela Filho e Álvaro
Machado foram fundamentais, dentre outras, nesta quadra de minha
caminhada.
Se êxito tive, devo
atribuí-los a estes fatores: a obstinação, pois sempre fui
um obstinado; às amizades, porque sempre as cultivei; à
vocação, porque me sinto um vocacionado; mas também à
humildade e ao meu modo singelo mas firme de encarar os
desafios com ética e seriedade e, sobretudo, com
soladariedade. Penso que o ser humano jamais deve olhar uma
pessoa de cima para baixo, a não ser para ajudá-la a
levantar-se.
Reconheço, acima de tudo,
como de fundamental importância para a minha caminhada, o apoio
recebido da família querida que Deus pôs ao meu lado.: da minha
esposa Catarine e dos meus filhos todos, dentre eles um pesquisador
de apenas 08 anos de idade, apaixonado por história, apaixonado por
geografia, escritor e compositor, Luiz Eduardo.
Finalmente, senhor presidente,
quero concluir a minha fala afirmando que pertencer aos quadros do
Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas tem se constituído em
uma das minhas mais importantes realizações. É mais uma porta que
Deus abre em minha vida, alargando os horizontes de minha trajetória
e permitindo que com os sentimentos da paixão e da esperança, eu
possa continuar contribuindo para o crescimento do Estado de Alagoas.